Gratidão à Belém do Pará
Privilegiado por um viver longevo, torno-me consciente e escuto como passageiro dessa viagem, o aviso: “próxima parada, estação final; é obrigatório o desembarque”.
Assolado por espécie de pressa, de cobrança, para que, como se marinheiro fosse, diga adeus e agradeça a tantos amores, vividos nos portos desse maravilhoso “tour”.
Um desses tantos amores, certamente, vivi no porto, onde a nave mãe atracou. A terra em que fiz minha estreia em respiração, choro e fora do ninho, juntinho ao coração materno. Belém do Pará, obrigado!
Obrigado Belém, pela primeira infância em uma de tuas ilhas paradisíacas, Mosqueiro, onde os banhos de riacho, que cortava o terreno do casarão de madeira, eram coloridos pela plumagem amarela de filhotes da pata Lua, de folhagens das árvores de sapoti e flores da trepadeira de maracujá.
Obrigado Belém, por teres proporcionado nessa mesma ilha as experiências primeiras: a primeira professora, o primeiro bichinho de estimação, o plantio das primeiras mudas, os quatro primeiros amiguinhos. E, dentre eles, menina de cachos dourados, a única com quem se trocava a merenda e, a mim, a exclusividade da oferta de seu pipo, chupeta.
Como não agradecer tua compreensão, quando me arrancaram de teu colo para viajar no navio Itapé e ir ao Rio morar. E, cinco anos mais tarde, estavas com tuas docas, como teus braços abertos, abraçando o retorno do filho, agora não mais infante, garoto iniciando a puberdade.
Obrigado Belém, por tua escola pública de ótima qualidade, tanto no “Grupo Escolar Floriano Peixoto” como no “CEPC - Colégio Estadual Paes de Carvalho”. No colégio existiam dois encarregados pela disciplina: Sr Geraldo e Sr. Raul. Sr. Raul, além de disciplinador era saxofonista e líder de conjunto de “jazz”, o Vitória.
Obrigado Belém, por inspirares, com teu jeito festeiro, à direção do CEPC promover manhãs de Domingo dançantes, com música a cargo de Sr. Raul.
Essas domingueiras, tornavam-se fascinantes, quando se conseguia ter como par uma das titulares do time de voleibol do colégio, aluna dois anos mais adiantada, sempre perfumada com priprioca (raiz aromática de planta amazônica) e, o principal, deixava-se levar com leveza e com muita destreza no dançar.
Obrigado Belém, por teres preparado no CEPC: grupo de escol de professores que estimularam, de forma definitiva, à busca do conhecimento; e ambiente onde foram construídas as mais longevas amizades.
Obrigado Belém, pelas peladas de rua, na de terra batida, em frente de casa, na Cesário Alvim, nas pavimentadas da Praça Amazonas e da Frei Gil, e nos gramados do campinho do colégio e o da Praça da República. Esta última com direito a corridas dos bombeiros, pois não era permitido.
Obrigado Belém, por teres proporcionado brincadeiras, também, com as meninas:
“mãe de barra”; “de roda”, “berlinda”, “telefone”, “queimado” e a melhor de todas, “pó, rouge, ou batom”, pois correspondia, à curiosidade maior da “pubercência”, idade em que se anuncia o fim da puberdade e o início da adolescência. E, naturalmente, o “primeiro amor”.
Obrigado Belém, por permitires o sucesso nas aventuras de “furar festas”, atividade hoje conhecida como “penetrar nos bailes”. Mais do que isso, teu jeito festeiro e mais teu papel maternal inspiravam as aniversariantes e seus pais a, apesar de entenderem a presença fraudulenta, fingir estarem sendo enganados.
Como não te agradecer pelas férias escolares passadas na mesma ilha da primeira infância, Mosqueiro, patrocinadas pela irmã de mamãe, que tinha lá uma bela casa para veraneio. Em tempo integral: esporte, dança, convívio e apreciação do desfile de beleza nas passarelas de areia banhadas pelo doce mar.
Na primeira dessas férias, a primeira e a mais longeva amizade que me iniciou no prazer do estudo em grupo e quando, naturalmente, percebi estar num estado civilizatório inferior.
Obrigado Belém, por teres, com tua baía de Guajará, sido o berço da agremiação esportiva mais querida por ti e tua gente, o Clube do Remo. E teres permitido que o “Leão Azul”, o “Filho da Glória e do Triunfo”, “o “Mais Querido” encantasse: com festas e carnavais, tanto na sede náutica, quanto na social; com partidas de futebol, basquetebol, voleibol; e, principalmente, as regatas assistidas de pequeno navio, no qual os intervalos longos entre páreos, eram preenchidos com música e dança.
Obrigado Belém, pelos amores. Amores de vizinhança, de festas, de colégio, de férias. Aos de festas e de férias obrigado especial, apesar da brevidade, por sua intensidade.
Obrigado Belém, por tantas outras experiências e aprendizados, até pelos vícios, que me apresentaste e não tive sabedoria para evita-los. Mas, a extensa contraparte positiva foi mais do que suficiente, para abandoná-los, sob determinação da vontade, cultivada com regas de o bom e inesquecível viver presenteado.
Obrigado por tua originalidade, tal qual, como a de tempos coloniais, quando tiveste semeada tua arborização central, pela qual serias identificada: “Cidade das Mangueiras”.
Obrigado Belém, por tua gastronomia, que costuma provocar a exclamação, após a degustação: “sabor dos deuses”! Obrigado especial a tua pupunha cozida, a teu pato no tucupi, a teu doce de bacuri, a teu filhote à piracaia, a teu tacacá, ao teu açaí e a tuas frutas e sorvetes de quaisquer uma de teu diverso e lindo pomar.
Obrigado Belém, por tanta generosidade.
Obrigado Belém por tua poesia, tua música, enfim tua arte que encantou a outrora juventude, hoje, com muitos não mais neste plano, para ajudar a contar essa história.
Obrigado por tuas eneidas, adalcindas, edyres, ruys, waldemares, fafás, leilas, lucinhas, pinducas, nilsons e muitos outros, que semearam a arte, de forma duradoura e original.
Belém do Pará, obrigado por te teres eternizado no mais íntimo dos seres daquela geração. Permaneces viva, mesmo para aqueles que, compulsoriamente, partiram.
Esses corações, numa imensa ciranda te abraçam, dançam e cantam em gratidão, por fazeres a vida melhor e mais feliz.