A DEMISSÃO

Ai, como dói a dor de ser mandado embora!

O momento chega de surpresa! Você pode até ter percebido alguma coisa, mas esse momento é, e sempre será, “aquele momento!”.

- Cara, o chefe ‘tá te chamando.

(Que será agora ?). Pensa você.

- Não precisamos mais dos seus serviços.

Vem na sua cabeça aquele monte de perguntas:

- Por que? Que fiz eu? O que aconteceu? Não entendo.

Em lugar disso, você, muito formal, tentando controlar aquela sensação de soco na boca do estômago, pergunta:

- Algum problema?

- Estamos em contenção de despesas ( etc. etc. etc.).

Você conhece o que acontece na empresa, não acredita nisso.

Sua auto-estima vai lááá embaixo. Sua vontade é falar todas aquelas coisas engasgadas na garganta, mandar o chefe à m........ ou então implorar – não faz isso, não, chefe. Ou, em última hipótese, dar-lhe um sopapo. Depende de seu temperamento.

Ao contrário disso tudo, falam-se frases comuns:

- Esperamos que compreenda. Diz o chefe.

- Entendo

- Tudo bem?

- Tudo bem

- Tudo bem mesmo? Quando sair venha se despedir.

- Tudo bem, chefe. OK...

(Tudo bem uma ova!).

O mais difícil é sair da sala dele.

Quase todo mundo sabe entrar, mas sair? Duvido que alguém saiba a fórmula. Claro que aparentemente, só aparentemente, faz-se pose de:

– Não tem importância.

– Num tô nem aí.

Às vezes, arrisca-se um:

– Eu já esperava.

– Vai ser melhor pra mim.

Para entrar numa empresa até se treina para isso; existem palestras, livros, cursos para entrevistas, para o bom procedimento na empresa, conselhos, experiências trocadas etc. etc. etc. (de novo).

Muito se diz a esse respeito. Entrar num trabalho novo. Os cursos de dinâmica de trabalho ensinam sobre o primeiro dia, a primeira semana, o que vestir, o que falar, etc. etc. etc. (de novo).

(Porque será que estou repetindo tanto o – etc.etc.etc?)

Mas, por que ninguém ensina como sair?

Por que ninguém ainda pensou em socorrer esse infeliz que recebe o fatídico: ‘tá despedido? Claro que, dependendo de cada situação, nem há como ajudar. Contudo, nas circunstâncias corriqueiras, excesso de pessoal, contenção de despesas, inadaptabilidade ao tipo de atividade (nossa, que palavra terrível!) etc.etc.etc., coisa alguma se escreveu sobre esse momento. Ele vai continuar sendo aquele infeliz que foi chutado. Aquele que recebeu o clássico “pé na b.....”!

É assim que ele está pensando...

Arrisco sugerir que logo na entrada, o recém admitido deveria ser preparado para a possibilidade de ser mandado embora. Não é um presságio, uma ameaça, não. Seriam apenas palavras amenas do tipo:

“A sua continuidade neste trabalho, vai depender de muitos e variados fatores. Seguindo as normas, não haverá nada de pessoal se tivermos que dispensar os seus serviços. Será tudo uma questão de utilidade e adaptação. Estamos entendidos?”.

Frase bem feita, heim? Pelo menos o coitado do demitido vai se lembrar que não há nada de pessoal. Quem sabe se vai amenizar esse momento?

É apenas uma sugestão. Também não sei se daria certo...

Aparentemente, neste caso, não houve motivo. Você procedeu corretamente, sempre. Não fez coisa alguma que provocasse o chefe. É cordato, competente, pontual, nunca fez “cera”, etc.etc.etc. (olha eles aí de novo).

Então, por que? Naquele minuto pensa mil coisas: talvez seja porque me tornei um funcionário caro. Talvez queiram me substituir por outro mais barato. Talvez vão pôr no meu lugar um aparentado da chefia.

Talvez, talvez, talvez. Não é isso o que importa agora. Se, de fato e de verdade, houve um motivo justificado, você tem o que pensar, dizer, explicar. Contudo, se foi sem esse motivo justificado, não adiante mais nada. Você vai ficar sem palavras, sem explicações, com cara de bobo, sem ter o que dizer quando for se despedir. Que situação!

Difícil, difícil mesmo é pegar suas coisas na frente dos outros, despedir-se. Isso, se o dispensaram do aviso prévio.

- Você fica tranqüilo, vai receber todos os seus direitos. Passe no Departamento Pessoal.

Um monte de coisas passou, sim, mas foi pela sua cabeça, exatamente entre a primeira frase fatídica e esta última.

Ainda educadamente, pede licença e sai da sala do chefe.

Por dentro, tem vontade de deitar no colo da mamãe e chorar, chorar muito. Será?

Numa velocidade incrível, pensa nos gastos que tem; lembra que o acerto final vai durar um tempo, mas e depois? E com essa situação difícil...

Acho que teve foi vontade de voar no pescoço dele e sacudi-lo gritando: por que? Por que? Não faz isso comigo, não!

Também não? Ah! Já sei: foi aquela sua auto-estima lááá embaixo. Desceu para o fundo do poço. Acertei?

Sai da sala, hipocritamente, com aquele jeito de que não aconteceu nada demais. Consegue chegar à sua mesa, senta, pega uns papéis como se fosse começar a despachar. Larga tudo. Começa a pegar suas coisas particulares na gaveta – saquinho com escova de dente e pasta, agenda, um número atrasado da revista de esporte e mais um montão de inutilidades.

(Levo o apontador ou não? Ah, deixa pra lá. Eu comprei, mas não vai fazer falta. Fica de lembrança).

Tenta lembrar se emprestou alguma coisa importante para algum colega. Não se lembra de nada.

Tira debaixo do vidro no tampo da mesa aquela frase de auto-ajuda (não ajudou em nada).

Pega seu santinho protetor. Protetor de quê?

Tudo vem à sua cabeça. Tudo, menos o que precisa. (Onde ponho?). Procura por uma caixa ou sacola. Caixa, não tem. No fundo da gaveta, acha uma sacolinha amarfanhada.

Vai enfiando tudo dentro, de qualquer jeito; só toma cuidado com o emblema do time de futebol (puxa vida, até meu time ‘tá por baixo!).

Não tem coragem de levantar os olhos. E o que vai ver, se olhar? Alguém vai abaixar a cabeça depressa. Estava te olhando!

De modo geral, todos parecem muito aplicados no trabalho. Ninguém conversa. A eficiência parece ser a tônica daquele momento. Há no ar uma espécie de justificativa – estou aqui porque trabalho direito! Você, não.

Como serão os pensamentos de todos naquele momento? Afinal, você recebeu o “fora” dentro da sala do chefe. Como é que parece que todos sabiam? Sabiam, sim. Só você não sabia. Seu tonto!

Bem, suas coisas já estão dentro da sacola. Pelo menos você acha que sim. Agora vêem as despedidas. Dirige-se ao colega mais próximo:

- Tiau, cara.

- Que isso?! Você ‘tá saindo?

- Não, ‘tô entrando, seu bobo. Deixa pra lá. Fui despedido.

- Que pena, né?

- E aí, cara, que coisa, heim? Olha, liga pra mim, tá?

- Boa sorte, você vai arrumar coisa melhor.

- Depois a gente se vê...

- Nossa! Tô besta. Não sabia, cara.

Cada um diz uma coisa. São frases sem sentido e sem retorno. Ocas, ridículas. Algumas mentirosas! Você tem certeza que não haverá encontros fora do escritório. Havia camaradagem, mas somente enquanto você não tinha levado o famoso “ponta-pé”.

Até quem parecia “mui amigo”, almoçava junto, te deu um cartão pelo aniversário, até desse as palavras soam falsas.

Parece que ninguém acredita que você não fez alguma coisa errada.

As inferências, as deduções, os olhares, uma tossezinha marota, um limpar de garganta, ou mesmo os reais motivos, tudo, tudo, faz de você um extraterráqueo ali, naquele escritório. Um expurgo! Você não pertence mais ao time, não é mais da casa, não faz parte do “staff”, etc.etc.etc.

Descobri por que esse – etc – aparece tanto, não é falta de imaginação, não: em todas as vezes ele substitui mil e uma frases, situações, palavras convencionais, lugares-comuns que existem, são usados, porém fariam esta narrativa ficar cansativa. É isso aí.

Quando vai saindo, alguém ainda lhe acena com um:

- Boa sorte, cara.

(Boa sorte, uma m............! ‘Tava doido para me ver pelas costas! Pensa que me esqueci da fofoca que fez? Vai ver que foi esse que fez alguma caveira de mim).

Consegue chegar à porta. Instintivamente leva a mão ao expositor dos cartões de ponto. Cadê o seu?

(Nossa, já tiraram daqui!).

Lembra que não foi na sala do chefe se despedir. É melhor sair numa boa. Pára. Olha pra trás. Pega de surpresa todo mundo te olhando. Dá um sorriso amarelo. Volta. Atravessa a sala, bate na porta, entra e fala aparentando naturalidade:

- ‘Tô indo, chefe. Até outra vez. Quer ver o que estou levando?

- Que isso, imagina!

Quando se vira para sair, o chefe lhe chama, dá a volta na mesa, dá um abraço, três tapinhas nas costas (igual aos outros tapinhas falsos!) e lhe deseja boa sorte.

- Pode me dar uma carta de referência?

- Claro, claro. Pede lá no Departamento Pessoal quando vier acertar. Pode deixar seu crachá comigo.

Entrega o crachá e sai. Tinha esquecido dele.

Êta momento danado!

Atravessa o escritório sem falar com ninguém.

Chega na porta de saída. A recepcionista ainda lhe diz:

- O que é isso? Não vai trabalhar hoje? ‘Tá doente?

Ela parece sincera. Aliás, sempre te tratou bem.

- Não, menina, fui despedido. Tiau, até outra vez. Se cuida viu?

- Mas.. por que?

- Olha, não quero falar sobre isso, viu? Desculpe. Tiau.

Sai.

Não vê a hora de se tornar mais um anônimo no meio daquela gente toda que vai e vem pelas calçadas.

Pelo menos ninguém na rua sabe que você foi demitido.

Sua vergonha está resguardada, secretíssima.

Respira fundo.

- Pô, meu, parece até que esqueci de respirar!

Rachel dos Santos Dias
Enviado por Rachel dos Santos Dias em 17/01/2008
Reeditado em 21/12/2010
Código do texto: T821381