COISA DE FILHO
Eu tenho muitos bens na minha vida.
Um deles é um filho, o Marcos, de espírito jocoso, divertido, que usa jogo de palavras para, com um infalível bom humor, falar sobre as coisas da vida. É um filósofo cômico, ou um humorista filosófico. Sei lá.
Só sei que em várias ocasiões da minha vida, quando me via em situações críticas, seja por coisas externas a mim, seja por uma auto-análise a fim de crescimento interno, desabafava com ele alguma coisa. Por exemplo:
Sou impulsiva. Uma pessoa daquele tipo - quando vi, já fiz. Estava dizendo a ele que não me agüentava mais. Que me via sempre em enrascadas por ser 8 ou 80, tudo ou nada, sem meio termo.
Ele, muito seriamente, respondeu:
- Não fica triste, não, mãe. Ainda há esperança para a senhora. Olha: não é tudo ou nada, não: dos 8 ao 0, ainda faltam 8; dos 80 aos 100, ainda faltam 20. Agüenta firme, no resultado, a senhora ainda tem 28; aos poucos a senhora chega no 0 ou 100, ou então, num medíocre 50! É só escolher e treinar!
0 ou 100. Isso significa extremismo extremo, numa bela redundância! É matar ou morrer. Cruzes!
Medíocres 50. Cruzes, também para eles! Isso me soa mais a “ficar em cima do muro”, quer dizer: dar um passo à frente e um pra trás, ou melhor, um à frente e dois pra trás. Dá na mesma, não é mesmo? Os 8 ou 80 são mais saudáveis, afinal.
De outra feita, comentei com ele sobre situações que estavam me deixando estressada; coisas que estavam me derrubando e que eu estava sem forças para dar a volta por cima e nem sabia como fazer isso.
Ele me saiu com esta, respondendo incontinente:
- Se não consegue dar a volta por cima, experimenta dar a volta por baixo. Às vezes funciona!
- Mas como?! Disse eu.
- Começa tudo de novo. Láááá de baixo...
É verdade. Há situações em que é melhor começar tudo de novo, despir-se do velho, enferrujado, enrustido.
Nem preciso dizer que, além das risadas, os conselhos valeram.
Outro dia, comentando sobre o segundo filho dele (ele tem três), que provavelmente poderia ser prejudicado por não ser nem “o mais velho” – o primogênito importante, nem “o mais novo” – o caçulinha mimado, ele se saiu com essa:
- A posição dele é a mais privilegiada. Olha só: no primeiro, havia matéria-prima e nada de experiência. No último, a experiência era maior, mas a matéria prima já estava meio gasta. Então, ele, o segundo, ficou com a melhor parte: ótima experiência e matéria-prima 100%! Não há nada para reclamar.
Depois dessa, reclamar do quê? O filho do meio acabou se sentindo o mais importante de todos.
Na minha conta de filhos, ele é o quinto de um total de seis. Perguntei a ele:
- E aí? Como é você em relação aos seus outros irmãos?
- Simples. O plano era a senhora ter seis:
O primeiro, nada de experiência e muita matéria prima. O resultado é ela: nasceu “coroada”!
O segundo, um pouquinho a mais de experiência e ainda tinha reserva de matéria prima; mas essa experiência não foi o suficiente, pois nasceu de sete meses!
No terceiro, já tinha aquela sensação de “já sei fazer e faço” e olha ele aí: um poço de auto-suficiência!
No quarto, logo em seguida, bateu um pouco de cansaço e quase que não nasce no tempo, quer dizer, pelas contas da mãe, era para ser em Novembro e nasceu em Dezembro. Resultado: ela nasceu de 10 meses, se é que isso é possível, quase filha de jumento.
No quinto, bastante experiência e a matéria prima apurada, caprichada, para dar tudo certo, pra não ter erro. Pronto: nasceu esta maravilha!
E o sexto, coitado, raspou-se o que sobrara da matéria prima e havia cansaço de tanto trabalho. E o resultado? Esse menino aí, um cara com quase 1,90 e muita travessura pela vida afora, arteiro e baguncento. Explicado?
O quinto é este primor! Não disse?
É, ele deu um jeito de ser o melhor, o safado. E com bastante bom humor descreveu os irmãos, um a um, direitinho!