MÃE ANÔNIMA
 

O mármore frio como sempre e o silêncio rompido apenas pelo movimento do legista e de seu auxiliar e, ainda,  pelo som dos instrumentos da necrópsia aplicados sobre o morto recém chegado.

O corpo inerte revela uma vida ceifada no pleno vigor da mocidade.

Na ante-sala o ruído de sandálias baratas em passos relutantes cessam.

Uma pequena olhadela e o médico legista vê uma senhora que aparenta mais que a idade cronológica. Semblante triste, rosto enrugado, olhos desesperançados e fixados na cruz suspensa na parede como que rogando a ajuda divina.

O legista passa a mão na fronte suada,  olha para a mulher e finalmente pergunta:

___ É seu parente?

___Sim, ela responde, é meu filho.

___Meus sentimentos diz o médico.
Em seguida, o profissional arranca algumas palavras de seu âmago para tentar confortar aquela mãe lutadora que ainda trabalha fazendo faxina em casa de família e cujo marido há muito desapareceu deixando para trás uma criança e uma mãe desamparadas.
Mas a vida deve seguir e o legista retorna à sala de necrópsia, olha para o cadáver e anota em sua prancheta: traumatismo crânio-encefálico causado por agente perfuro contundente (arma de fogo) e hemorragia intra-craniana, etc.

A senhora, orientada a providenciar o  sepultamento e a preencher a burocracia do reconhecimento para a liberação do corpo e sai dali com o coração apertado e os olhos sombrios já sem lágrimas para derramar.

É noite, e no velório, a sala vazia registra um soluço quase inaudível da única guardiã daquele corpo inerte metido num caixão de terceira categoria.

Meus sentimentos, mãe anônima