Coisas de criança

 

 

Enquanto observo da janela a paisagem quente e monótona da tarde, sinto saudade dos dias passados lá na capital, Natal.

Clima mais ameno, brisa marítima entrando porta adentro, convívio com os parentes e amigos, bate-papo gostoso no sábado, enquanto a feirinha de produtos orgânicos vai acontecendo no condomínio... Ah, que delícia!

Mas eu gosto mesmo é de tomar um cafezinho com a Ana e o Zezinho, sogros de minha filha – que se tornaram nossos amigos-irmãos –, enquanto vamos pondo os assuntos em dia; eles sempre têm novidades. Conhecem Deus e o mundo lá no Corais. Ou quase todo… E são muito queridos também!

Sábado último passado, não sei ao certo o que conversávamos, mas, de repente, veio-me à mente um episódio ocorrido na infância e, ao socializá-lo, causou boas gargalhadas em Ana, além de despertar, em nós, deliciosas lembranças. Sem pieguice, aos poucos, nossas recordações foram se misturando e nos divertimos muito. Das brincadeiras infantis até a moda efervescente das calças boca de sino, tudo foi motivo risos.

Iniciamos ali uma longa conversa, em que discutimos principalmente os valores prezados antigamente e que, hoje, não mais se ajustam à realidade; contudo, foram importantes para o nosso crescimento.

Têm sido cada vez mais comum as postagens nas redes sociais relacionando as inúmeras mudanças pelas quais passamos – nós, os nascidos nas décadas de cinquenta e sessenta. Não apenas as mudanças sociais e econômicas, mas, acima de tudo, as voltadas para as tecnologias. Quando penso nos telefones fixos e os comparo aos smartfones, é algo sem parâmetro. Os caixas eletrônicos facilitando nossas atividades bancárias, os aplicativos tão eficazes, os cartões magnéticos, com chips, a rapidez com que transferimos ou efetuamos pagamentos através do pix, a sofisticação nos eletrodomésticos, a internet – possibilitando o aqui e o agora dos acontecimentos em tempo real. É o mundo digital de um modo geral modificando a nossa rotina.

Ainda não consigo dominar com destreza todas essas modernidades. Você acredita que muitas vezes me vejo calculando minhas contas mensais no lápis? E logicamente que volto no tempo quando fazia pequenos cálculos com o ábaco, para conferir o ganho da semana com a revenda de verduras e legumes – que na imaginação infantil representava uma fortuna! Quando o lucro era bom, sobravam até uns trocadinhos para o cinema.

Os tempos, hoje, são outros. Agora, o trabalho infantil é crime. Naquele tempo era normal os filhos ajudarem os pais. Eu tive carteira de trabalho assinada aos quatorze anos. Folga só aos domingos e, às vezes, parcialmente. Entre um afazer e outro, o faz de conta reinava. Brincava de casinha debaixo do pé de limão, brincava de sala de aula, onde eu era a professora – e dava aula para as cadeiras em fila. Acho que vem desse tempo a minha mania de falar comigo mesma. Também gostava de cantar. O cabo de vassoura ou do rodo serviam de microfone. No fim do ano, o piquenique era sagrado. Minha mãe, além dos pães, fazia panetone; daí, nada melhor do que ir passear na “floresta” – reflorestamento da Petroquímica que ficava perto de casa.

Dentre tantas brincadeiras, essas eram as minhas preferidas: casinha, pular corda, bambolê, passa anel, roda – tipo ciranda, pique-esconde, amarelinha, ou o jogo das pedrinhas, cinco marias, peteca, soltar pipa, capucheta, barquinhos na enxurrada… Quase escuto o burburinho da molecada na torcida, para ver o ganhador.

Tudo era motivo de felicidade, mas tínhamos também nossos desejos ocultos. Por exemplo: quando pequena, desejava ardentemente ter uma sandália Havaianas, ansiava pelo dia de Natal – na esperança de ganhar algum brinquedo, queria uma televisão – mas me conformava com o rádio, onde ouvia a história do “Jerônimo, o herói do sertão”, meus olhos ficavam vidrados nos pudins de padaria.

Por falar em pudim de padaria...

Certa vez, meu pai fora convidado para o casamento da filha de um compadre dele – sim, era comum convidar para padrinhos as pessoas queridas e de poder aquisitivo bom. Meu pai não foi diferente. Esse compadre era o seu superior na firma onde trabalhava. Como não podíamos ir todos, minha mãe me convocou para acompanhar o meu pai. Lógico que dei pulos de alegria! Afinal, ia para uma festa chique. Minha mãe arrumou-me toda, estava uma bonequinha! Vale salientar que fomos de ônibus. No caminho, meu pai entrou numa padaria para comprar cigarros – ele fumava feito uma caipora. Mais que depressa, corri no balcão dos doces. Tão entretida estava que custei a ouvir o seu chamando:

– Vamos menina, já estamos atrasados.

Não quis nem saber se íamos ou não para uma grande festa, fiquei ali parada até ele se resolver e comprar um pudim de padaria. No caminho ele ia me recriminando, mas eu mal o ouvia, queria saber só daquele gostinho delicioso!

Coisas de criança...

Vanda Jacinto
Enviado por Vanda Jacinto em 02/12/2024
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