EU E O TEMPO

Ganhei na infância o presente de conhecer minha bisavó materna, guardando algumas lembranças do seu jeito simples, bondoso e calmo, a maneira cansada como andava amparada por uma das filhas irmãs de vovó e por esta também vezes tantas, sua casa onde em cujo quintal havia um enorme pé de siriguela e nele eu subia todas as vezes que ia até lá com mamãe. Recordo de avistar galinhas e galos ciscando pelo terreiro aos cacarejos alvoroçados, um e outro porco fuçando nalgum lamaçal provocado pelas chuvas de verão.

Ela me abraçava sorrindo, falava frases carinhosas e me oferecia bolo e café. À nossa chegada, minha mãe tomava a benção dela ao mesmo tempo em que me pegava a mão para eu fazer o mesmo. Nem tudo ou muito pouco eu conseguia entender do que era falado entre os presentes, os assuntos tratados diziam respeito somente aos adultos. Nessas lembranças, os meus arquivos memoriais não incluíam outros irmãos durante a visita, era sempre mamãe e eu. Acho que por eu ser o mais novo dos três primeiros filhos, provavelmente, e mais velho que os dois que viriam depois.

Meu bisavô não consta das agora lembranças distantes do menino inocente que fui, imagino nunca te-lo visto durante os momentos de nossa passagem por aquela casa humilde localizada no centro da cidade. Talvez ele estivesse doente e acamado em algum quarto, quem sabe até mesmo conosco, mas se o vi por instante circulando e conversando não recordo. É provável que na época ele já tivesse partido para a eternidade, certeza não tenho. Nas brumas da memória está registrada a invariável presença das tias avós Celeste e Ceição, irmãs de vovó, que certamente moravam com a mãe cuidando dela.

De vez em quando tais pequenas cenas do passado passam diante dos meus olhos, breve película cinematográfica arraigada nos anais da minha história de vida. As avó e bisavó paternas nunca cheguei a ver de forma consciente, e descrevo dessa forma porque meu pai dizia da mãe dele me carregando nos braços quando recém-nascido.

Vovô pai de papai sim, inclusive convivi uns anos da infância com ele. Homem circunspecto, de palavras duras, firme nas decisões, que jamais tergivesava ao dizer algo. O tempo empoeirou as tantas recordações de outrora, a nostalgia por vezes as limpa do pó acumulado e volta enchendo o coração de saudades.

01/12/2024

Gilbamar de Oliveira Bezerra
Enviado por Gilbamar de Oliveira Bezerra em 02/12/2024
Reeditado em 02/12/2024
Código do texto: T8210473
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