Reconstrução do Templo, espaço da arte - Sobre Notre-Dame e outras reconstruções

Em cinco anos, a Catedral de Notre-Dame, em Paris, foi reconstruída. O incêndio de 2019 chocou muita gente, mesmo aqueles que conheciam o edifício sacro apenas pelas cenas do clássico da Disney “O corcunda de Notre-Dame”. No entanto, pensar nessa igreja e em tudo o que ela evoca dá pano pra manga. Um templo católico, sobretudo uma catedral como essa, é sempre símbolo de poder, manifestação divina (dirão os fiéis) e da arte. Todas as grandes igrejas, espalhadas por todo canto no mundo, carregam em suas paredes, tetos, vitrais e fachadas algum tipo de manifestação artística. E as Catedrais, sede do poder de um bispo, local de sua cátedra, resumem tudo isso de maneira bastante significativa. É óbvio que há catedrais grotescas por aí e que, por isso, não cumprem a missão de encher nossos olhos com sua arte. Mas, ainda assim, mesmo que limitadamente, são um pedacinho de resquícios do poder e da influência da Igreja Católica sobre uma parte do território mundial.

Ao saber que a Catedral de Notre-Dame está prestes a ser reaberta ao público, me veio à mente todo o simbolismo e representação que lugares como esse têm. Embora seja um edifício religioso, sua presença na cidade de Paris está ligada a diversos elementos históricos, artísticos e culturais e é esse o ponto que mais chama a atenção. O impacto que o incêndio teve em pessoas do mundo inteiro foi imenso, não à toa houve uma campanha de doação que arrecadou quase um milhão de euros. Não é todo dia que esse tipo de coisa acontece; não é todo dia que mais de cinco bilhões de reais são levantados em doações para a reconstrução de um espaço histórico-religioso-artístico. Talvez, um ato como esse mostre que ainda há esperança e que não nos perdemos por completo da arte. Falo isso, não porque tenha qualquer sentimento religioso pelo templo, mas pela arte. Durante muito tempo, as igrejas foram as principais manifestações artísticas da arquitetura. Aqui no Brasil, por exemplo, principalmente no período colonial, através da arte barroca, temos inúmeras igrejas belíssimas que tornaram o nosso país ainda mais lindo. Por outro lado, não deve haver dados concretos sobre quantas igrejas, que um dia foram belas, estão abandonadas ou foram completamente destruídas.

Reconstruir (ou reformar, ou restaurar) um espaço como Notre-Dame é um desafio imenso. Mas está sendo possível. Aqui no Brasil, temos o caso do Museu Nacional, no Rio de Janeiro, que também sofreu um incêndio meses antes que o da Catedral, ainda em 2018. A previsão de reabertura total é para 2028. Dez anos de trabalho para recuperar um prédio erguido no século XIX, que abrigava mais de vinte milhões de itens ligados à ciência natural; dez anos de trabalho para não deixar que a nossa memória se apague pelo fogo e pelo descaso. No fim, apesar dos muitos anos de trabalho, o mais importante é que o serviço seja feito, e que tudo volte ao seu devido lugar. Cada parede com sua cor, cada janela com seus vidros e vitrais bem colocados, cada objeto sob sua redoma, cada item no seu lugar. Reconstruir e preservar espaços artísticos públicos é um dever do Estado e fundamental para a preservação de nossa alma.

Lembro-me do que Jesus disse no evangelho: “Destruí este Templo e em três dias eu o reconstruirei”. Os que conhecem um pouquinho a bíblia, sabem quem nesse versículo o Nazareno se referia ao corpo, templo do espírito santo. Referia-se, antes, ao seu próprio corpo, que ressuscitaria ao terceiro dia, como o próprio evangelho nos mostra depois. E acho que a metáfora de Jesus tem total sentido se transposta para os dias de hoje e aplicada às reformas e restaurações que se fazem em prédios artísticos e culturais mundo afora. Reconstruir esses espaços físicos dá à humanidade a oportunidade de reconstruir o seu próprio espírito e renovar a própria alma. A cada igreja abandonada, a cada museu incendiado, a cada espaço cultural fechado, nosso espírito morre mais um pouco. Assim, é preciso que surja uma ação de restauro, um ato de reforma, um desejo de reconstrução, pois são também eles que alimentam a alma humana e que colaboram para que o nosso espírito seja santo. Santo no sentido de elevado, extasiado e preenchido, condição proporcionada em muito pela arte guardada e expressa por esses lugares. Que Notre-Dame se abra ao público e que nossa alma se abra à arte e à beleza. E que a cada destruição de nossas expressões artísticas, o nosso espírito seja capaz de reconstruí-las em três dias, com toda a fé e todo o vigor de que somos capazes.

Thiago Sobral
Enviado por Thiago Sobral em 01/12/2024
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