A Serra e o Grito
Um grito. Um estalo. Um freio que não funcionou. De repente, o barulho virou silêncio.
A Serra da Barriga, testemunha de tantas lutas e vitórias, ganhou mais uma história. Desta vez, porém, não foi de heroísmo ou resistência, mas de humanidade e fragilidade. A Serra, que guarda histórias épicas, agora também guarda as lágrimas de uma tragédia coletiva.
O ônibus era uma pequena União dos Palmares em movimento: crianças, idosos, estudantes, avós, pais, mães, todos unidos pelo desejo de uma tarde diferente e simples, de um momento além da dureza cotidiana: um por de sol iluminado.
Assim como os antigos quilombolas buscaram refúgio na Serra, nossos passageiros também buscaram um instante de paz, em um domingo de sol e luz. Foram sem saber que iam. Entre eles, inclusive, um ônibus, cheio de sonhos, que nunca chegou ao destino.
Na pequena União dos Palmares, o silêncio tomou as ruas no domingo à noite, sabendo que cada passageiro trazia consigo um sonho simples, uma esperança efêmera, um momento de fuga ante a aspereza cotidiana.
O céu beijava a terra lá em cima; a tarde reluzia no horizonte; o horizonte estava lá; o ônibus, porém, perdeu o controle na curva e, em segundos que pareciam uma eternidade, desceu ribanceira, capotou.
Um som seco tomou conta do horizonte, e a vida de 18 pessoas se encantaram ali. O cheiro de mato amassado e ferro retorcido ficou no ar, enquanto o céu, tingido de laranja e roxo, parecia inerte.
Houve gritos, e a Serra virou de ponta-cabeça; depois silêncio.
Os moradores, que costumavam ouvir o vento assobiando pela encosta, ouviram, naquela tarde, o lamento das ambulâncias, os uivos de socorro, a morte bem perto. A Serra, que já viu guerras e celebrações, ficou muda ao assistir ao ônibus despencar em seu ventre.
Na curva traiçoeira, o ônibus perdeu sua dança e despencou, como um pássaro de asas feridas, para o fundo do nunca.
Na pracinha do Econômico, hoje, sábado, a tarde e quase sóbrio, alguém lembrou da gargalhada de Pedrinho. E na feira, as pessoas compartilharam um silêncio cúmplice ao mencionar o chapéu de seu José, encontrado intacto entre os destroços.
Tudo envolto numa comunidade despedaçada, na pessoa de histórias interrompidas e a lembrança de que, às vezes, mesmo na simplicidade de buscar beleza, a vida pode ser severa. É isto: parece que, mesmo antes de Guimarães Rosa, viver já era muito perigoso.