Perguntar demais é perigoso.
Perguntar demais é perigoso.
Em Atenas, há 2.400 anos, Sócrates fora condenado à morte por questionar demais. Mesmo antes deles, já existiam questionamentos. Quando jovem, Sócrates foi um bravo soldado que lutou na Guerra do Peloponeso contra os espartanos e seus aliados. Quando atingiu a meia-idade, ele perambulava pela ágora, parava
as pessoas de tempos em tempos e fazia perguntas embaraçosas. Isso era mais ou menos tudo o
que fazia. Porém, suas perguntas eram afiadíssimas: pareciam simples, mas não eram.
Um exemplo seria a conversa dele com Eutidemo. Sócrates perguntou-lhe se ser enganador
correspondia a ser imoral. “É claro que sim”, respondeu Eutidemo, o que para ele era uma
obviedade.
“Mas e se um amigo estivesse muito triste e quisesse se matar, e você roubasse-lhe a faca? Não seria este um ato enganador?”, perguntou Sócrates. “Sim, com toda certeza”. “Mas fazer isso não seria moral em vez de imoral? Trata-se de uma coisa boa, não ruim – embora seja um ato enganador”, disse Sócrates. “Sim”, respondeu Eutidemo, que a essa altura já havia metido os pés pelas mãos. Sócrates, ao usar um contraexemplo, mostrou que o comentário geral de Eutidemo de que ser enganador é imoral não se aplica a todas as situações. Eutidemo não
percebera isso antes.
O termo “filósofo” origina-se das palavras gregas que significam “amor à sabedoria”. A tradição filosófica ocidental, aquela que este livro segue, espalhou-se por diversas partes do mundo a partir da Grécia antiga, às vezes fertilizada por ideias do Oriente. O tipo de sabedoria que ela valoriza é baseado no argumento, no raciocínio e em perguntas, e não em acreditar nas coisas simplesmente porque alguém importante nos disse que são verdade. Para Sócrates, a sabedoria não era ter o conhecimento de diversos fatos ou saber como fazer algo. A sabedoria
significava entender a verdadeira natureza da nossa existência, inclusive os limites do que
podemos saber.
Os filósofos de hoje agem mais ou menos da maneira como Sócrates agia: fazem perguntas rigorosas, buscam razões e evidências, lutam para responder algumas das questões mais importantes que podemos fazer sobre a natureza da realidade e sobre como devemos viver. Ao contrário de Sócrates, no entanto, os filósofos modernos têm o benefício de ter como base praticamente 2.500 anos de pensamento filosófico.
Uma das ideias que a maioria das pessoas acredita ser de Platão e não de Sócrates é a de que o mundo não é o que realmente parece ser. Há uma diferença significativa entre aparência e realidade. A maioria de nós confunde aparências com realidade. Pensamos que entendemos, mas não entendemos. Platão acreditava que somente os filósofos entendem como o mundo verdadeiramente é. Em vez de confiar nos sentidos, eles descobrem a natureza da realidade pelo pensamento.
Para defender isso, Platão descreveu uma caverna. Nessa caverna imaginária, há pessoas acorrentadas viradas para uma parede. Diante delas, as pessoas veem sombras trêmulas que acreditam corresponder às coisas reais. Mas não são. O que veem são sombras projetadas por objetos conduzidos na frente de uma fogueira que fica lá atrás. Essas pessoas passaram a vida inteira pensando que as sombras projetadas na parede são o mundo real.
Até que um dos sujeitos se liberta das correntes e segue em direção ao fogo. Seus olhos ficam turvos a princípio, mas depois ele começa a ver onde está. Caminha aos tropeços para fora da caverna e, por fim, consegue olhar para o sol. Quando ele volta para a caverna, ninguém acredita no que ele diz sobre o mundo lá fora. O homem que se liberta é como o filósofo: ele vê além das aparências.
As pessoas comuns não têm muita noção da realidade porque se contentam em olhar o que está diante delas em vez de refletir profundamente sobre as coisas. Contudo, as aparências são enganadoras. O que veem são sombras, não a realidade.
A história da caverna está ligada ao que ficaria conhecido como a teoria platônica das
formas. A maneira mais fácil de compreendê-la é com um exemplo. Pense em todos os círculos
que já viu na vida. Algum deles era um círculo perfeito? Não. Nenhum deles era um círculo
absolutamente perfeito. Em um círculo perfeito, todos os pontos da circunferência são
equidistantes do ponto central.
Círculos reais nunca alcançam esse êxito. Contudo, você entende o que eu disse quanto usei as palavras “círculo perfeito”. Então o que é esse círculo perfeito? Platão diria que a ideia de um círculo perfeito é a forma de um círculo. Para entendermos o que é um círculo, precisamos nos concentrar na forma do círculo, e não nos círculos existentes que traçamos e experimentamos pelo sentido da visão, pois todos são imperfeitos de alguma maneira.
Igualmente, segundo Platão, se quisermos compreender o que é a bondade, precisamos nos
concentrar na forma da bondade, e não em exemplos particulares que testemunhamos.
Em "A República", sua obra mais famosa, ele descreve uma sociedade imaginária perfeita. Os filósofos estariam no topo e teriam educação especial, mas sacrificariam seus próprios prazeres em nome dos cidadãos que governavam. Abaixo deles estariam os soldados treinados para defender o país e abaixo deles estariam os
trabalhadores.
Platão acreditava que esses três grupos de pessoas configurariam um equilíbrio perfeito, como uma mente bem equilibrada cuja parte racional mantivesse as emoções e os desejos controlados. Infelizmente, seu modelo de sociedade era profundamente antidemocrático e manteria as pessoas sob controle por meio da combinação de força e mentiras. Grande parte das artes seria banida, tendo como base sua ideia de que eram falsas representações da realidade. Os pintores retratavam a aparência, mas as aparências são enganadoras em relação às formas. Cada aspecto da vida na república ideal de Platão seria estritamente controlado de cima.
É o que hoje chamaríamos de Estado totalitário. Platão pensava que permitir o voto ao povo era como deixar que os passageiros guiassem um navio – melhor deixar o comando por conta daqueles que sabem o que estão fazendo.
Eis um pensamento antidemocrático...