Metáfora da antropofagia
Uma reflexão sobre a antropofagia vai além da mera metáfora literal e própria. Eis o que nos convidou Oswald de Andrade quando definiu o pensamento como sendo da ordem da devoração, da ultrapassagem da oposição Eu/outro. O estado de guerra, oposição é capaz de fazer surgir uma primeira identidade. O que justifica: devoro, logo existo, sou inimigo do meu inimigo na acepção de Viveiros de Castro. No devorar o outro, há uma ausência de reciprocidade e a comunhão efêmera cede a vez para implicações filosóficas.
De fato, é concebível ensinar filosofia no Brasil como se vivêssemos na Europa, ou como quiséssemos nos adaptar somente a hipertecnologia do mundo, sonhando com a superação do eterno subdesenvolvimento. Não aguento mais, ouvir o Brasil é o país do futuro. Quando que chegará esse futuro? A globalização é apenas um rearranjo capitalista e produtivo, onde tendemos à homogeneização. A ausência de fronteiras faz ressalvar as grandes diferenças e os abismos civilizacionais.
Cientificamente somos vassalos da genética, da história, da geografia e cultura. De sorte que o conceito de responsabilidade se atenua e quase desaparece. A filosofia dos trópicos faz ressaltar nossa vocação para sermos colonizados almejando ser os colonizadores. Nossos parâmetros civilizatórios são tardios, relativizamos essências, e tememos os limites da filosofia, e nos afrontamos com questionamentos frugais e, seguimos sob o signo da catástrofe e da autodestruição. Ora a filosofia nos faz ter cumplicidade, legitimidade ou afã de reforma... Procuramos incansavelmente a estética aceitável para nos consolar, resistir ou apenas subverter.
O pensamento ocidental é amplo e procuro decodificar e fundamentar padrões perceptivos, estruturas linguísticas, comportamentos e as relações sociais o que tece a fronteira do que seja próprio ou alheio e abrange todos os dualismos que nos remete diretamente à metafísica ocidental. De fato, é impossível dominar a metáfora filosófica, servir-se dela como um produto capaz de superar a dificuldade de construir identidade e dominar nossa essência, com existência e alguma sobrevivência.
Aliás, no domínio da antropofagia, o único valor responsável é o exorbitante e, a relação intersubjetiva é não-simétrica. Por isso, a reciprocidade não é jamais assunto da antropofagia. Vivenciamos a idealização da justiça, a quarta virtude inalcançável diante tantas diversidades e desigualdades.
Se pudéssemos imaginar um indígena tecnológico e pensar na troca, equivalência, lei ou lógica, poderíamos obter a regulação da hybris e da saciedade. A pilhagem narrativa ao som de golpes de tacape, parece ser uma promessa de ressarcimento, e assim, deglutimos os valores sem esperar nada, e continuaremos bárbaros ou selvagens para nos fortalecer da carne os entes superiores e reinventar a civilização e a educação para nunca mais destruirmos o planeta.