Havia uma certa ironia no ato de fazer o bem. Quem escolhe ajudar, muitas vezes carrega não só a leveza da gratidão alheia, mas também o peso das expectativas e das críticas que ninguém vê chegar. Era isso que passava pela cabeça dela enquanto observava o hospital despertar para mais um dia.
Nas primeiras horas da manhã, ela já tinha resolvido mais problemas do que podia contar. O ar-condicionado de uma das salas cirúrgicas parou de funcionar, o gerador ameaçou falhar na madrugada, e ainda havia aquele pedido urgente da equipe de limpeza. "Está tudo sob controle", ela dizia, embora internamente soubesse que carregar tantas responsabilidades a fazia estremecer por dentro.
Era fácil fazer o que era esperado. Difícil era lidar com as entrelinhas do trabalho: os olhares enviesados, as conversas que paravam abruptamente quando ela passava. Não era a primeira vez que sentia a resistência ao seu jeito de trabalhar, como se sua dedicação fosse uma afronta. "Por que incomodo tanto? Será que é o peso do bem?", perguntava-se.
Naquele dia, em meio a relatórios e reuniões, uma funcionária apareceu na porta do escritório. Olhos marejados, passos hesitantes, ela mal conseguia explicar que não tinha dinheiro para alimentar o filho doente. Sem pensar, ela foi até o mercado, comprou o necessário e ainda entregou o dinheiro para o remédio. "É só uma ajuda", disse, com a naturalidade de quem fazia isso sempre. Mas sabia que, para a outra, era mais do que isso; era uma ponte para respirar.
Apesar disso, havia um vazio que crescia. O bem que fazia parecia invisível para muitos. Pior: algumas pessoas pareciam se empenhar em diminuí-lo, como se sua força fosse uma ameaça. "Eu não quero reconhecimento", pensava. "Só queria que me deixassem trabalhar."
À noite, caminhando pelo hospital, ela observou o silêncio das alas de internação. Pensou nos pacientes que dependiam do funcionamento perfeito daquela estrutura. "É por eles que faço isso. Não importa o que digam." E mesmo cansada, mesmo abatida, ela sabia que voltaria no dia seguinte. Porque, no fundo, o peso do bem era um fardo que ela escolheria carregar quantas vezes fosse preciso.