241110 - O RESGATE.
Eu descansava a cabeça no travesseiro quando adormeci e comecei a viver uma aventura de ficção realmente inusitada. Meu sonho me levou para um país do oriente, a China, extremamente pobre, onde acontecia uma cerimônia ao ar livre com muita gente aglomerada. Curiosamente foi a empresa onde eu trabalhava que promoveu o evento. Meu chefe conversava com alguém à minha direita sem que eu pudesse vê-lo, todavia, conseguia identificá-lo pelo som da sua voz. À minha frente, no meio do ajuntamento, um funcionário chinês manipulava com destreza algo que eu não conseguia ver, por ele estar de costas, mas que eu deduzi se tratar de algum prato da culinária local o que ele providenciava cuja finalidade, era dar de comer aquele mundaréu de gente reunido. Ao me deparar com o cozinheiro na sua estatura mediana, de compleição atarracada e gestos ligeiramente grosseiros, tive forte sentimento de que, aquele ‘china’, não me era estranho, pelo contrário, era alguém familiar. Bati no ombro de um amigo do meu lado esquerdo e disse a ele: - Observe o rapaz encarregado da comida, não lhe parece o chinês dono do quiosque na Praça dos Abrolhos? Ele, infelizmente, não me respondeu.
Eu acompanhava os movimentos do cozinheiro de um lado para o outro com duplo interesse, ou seja, descobrir o que ele realmente preparava com tanta habilidade e conhecer seu rosto.
Enquanto esta situação não se resolvia, fui surpreendido pelo som de uma conversa inesperada, era meu chefe se queixando de contratempo no trajeto de vinda para a cerimônia. Ele dizia que, quando saiu do hotel, embarcou num ônibus, e este, parou enguiçado no meio do caminho, desceu do coletivo e pegou um táxi, já este outro ficou entalado num engarrafamento monstruoso; por conta disso, quase não conseguiu chegar a tempo no local do evento. E continuou falando: "Na hora de ir embora, dependendo das condições, já nem me importo se tiver que tomar um trem lotado, topo qualquer itinerário".
Tá de gozação! pensei, ou não tem noção da estrutura calamitosa do transporte ferroviário na China; sem manutenção nem vistoria, os vagões estão bem deteriorados e só circulam lotados. Ele jamais fará isso, foi a lógica do meu raciocínio.
Atento ao rapaz de costas, vi quando ele se virou de frente com a atitude de quem havia concluído sua tarefa. Confirmei que não era, em absoluto, quem eu imaginava. Ele largou tudo para trás e veio rapidamente em minha direção. Pediu passagem apontando meu lado direito e com a mão apoiada no meu ombro atravessou o espaço apertado onde eu me encontrava, seguiu adiante e sumiu para não ser mais visto. E tudo se apagou.
Na verdade, foi meu sonho que mudou drasticamente seu roteiro e me jogou em uma via estreita na periferia de um bairro no subúrbio da cidade. Enquanto eu caminhava sozinho na rua deserta, de terra batida, desejei comprar algo para comer. Abri a carteira para pegar um trocado e logo percebi a falta de tudo que havia dentro dela. A perplexidade ao vê-la sem meus documentos e lisa de dinheiro abalou meu coração. Escancarei a carteira aberta e vasculhei cada repartição, todas estavam vazias.
A arritmia cardíaca foi rápida e também assustadora!
Inteiramente consternado, a única pessoa de quem eu me recordava era o cozinheiro. Aquele safado roubou toda a minha grana, quando passou por mim.
- Como pude dar esse mole!
Censura que me fiz cheio de indignação.
- Que mão leve da porra!
Era o que eu desejava vociferar com toda a força dos pulmões.
Pensamentos que passaram rapidamente pela minha mente conturbada e que, pra minha sorte, logo se dissiparam.
Refletindo com calma cheguei à conclusão de que não fora aquele ‘china’, o larápio que causou meu infortúnio. Impossível para ele ter surrupiado a carteira do meu bolso traseiro da calça, afanado tudo dentro dela e tê-la devolvido ao bolso num instante tão passageiro. Certamente não foi ele, deliberei.
Passado o drama, foi com esforço que tentei fazer um retrospecto mental desde o momento em que cheguei ao evento para poder confirmar se havia alguma chance da ladroagem ter ocorrido exatamente naquele lugar, porque não havia evidências.
Com essa minha mudança de postura, o furto logo deixou de me atormentar.
Levantei a cabeça para conhecer o local deserto onde eu me encontrava. Constatei que nessa hora eu cruzava sobre trilhos de trens, e reparei que a linha férrea sumia em uma curva fechada para a direita a cerca de cem metros à frente.
Olhando cabisbaixo para o aço laminado, no final de tarde, lembrei-me do trem sucateado que só viaja superlotado a que eu, sozinho, com fome, de bolsos vazios, perdido num país estrangeiro sem conhecer ninguém e sem saber falar o idioma, deveria pegar para chegar a algum lugar - ao centro da cidade, que era a minha única referência -, precisava retornar ao hotel onde estava hospedado, ver gente conhecida, comer alguma coisa, e como não tinha a mínima noção de direção, sofri um ataque de pânico em pleno sonho. Por sorte o calafrio foi passageiro e a frequência cardíaca, rápido se estabilizou.
Por causa da violência do susto, talvez eu tenha acordado, no entanto, continuei conectado ao sonho, tentando imaginar como seria viver feito analfabeto do idioma local, sem documento, liso de dinheiro e tendo que, alimentar-me, abrigar-me, lavar-me... tudo em meio ao povo chinês nem sempre acolhedor, principalmente com estrangeiros. E, no pior da imaginação, eu cairia na indigência rapidamente, quando não imediatamente. Este raciocínio foi suficiente para me resgatar de vez daquele sonho tenebroso. ACORDEI.
Que alívio!...