Conselhos de um bicheiro
Ele estava sentado na mesa do canto, aquele lugar onde sempre o encontramos, com o café forte e uma pilha de papéis à sua frente. Um bicheiro de longa data, desses que carregam a vida no olhar e têm histórias que dariam um livro – se alguém tivesse coragem de escrever. Era impossível não se deixar levar pelo jeito tranquilo e o tom quase filosófico de quem viveu mais do que deveria e ainda assim está ali, observando o mundo girar.
“Quer um conselho, moleque?” ele disse, sem esperar resposta. “Nunca aposte o que você não pode perder. Não tô falando só de dinheiro, tô falando de vida. Tem gente que joga o casamento, a amizade, a paz de espírito. Isso, meu amigo, é burrice. Se for pra arriscar, que seja por algo que valha a pena.”
Era sempre assim com ele. Os conselhos vinham embalados em metáforas de jogo, mas carregavam verdades universais. Como aquele dia em que ele explicou que a vida era como o bicho: você escolhe um número, um animal, e torce para dar certo. “Só que, diferente do jogo, na vida não dá pra depender da sorte. Você tem que fazer a sua parte. Senão, vai viver culpando o resultado.”
Ele acendeu um cigarro com a calma de quem não tem pressa, o olhar fixo em algum ponto distante. “Outra coisa, garoto: nunca subestime o azar. O azar não tem dia, não manda aviso. Ele aparece, faz o estrago e vai embora, deixando você pra juntar os cacos. Por isso, aprenda a lidar com ele. Não adianta reclamar do jogo depois que as cartas já estão na mesa.”
Eu ria, tentando imaginar como ele conseguia misturar filosofia e contravenção com tanta naturalidade. Mas ele era assim. Um contador de histórias, um sobrevivente. Alguém que tinha visto o lado escuro das coisas e, mesmo assim, acreditava em pequenas lições que podiam mudar o rumo.
“E lembra, garoto,” ele disse, apagando o cigarro no cinzeiro já cheio, “a vida é feita de apostas. Escolhas que a gente faz todos os dias. Algumas a gente ganha, outras a gente perde. Mas o importante é saber que, no fim, o jogo nunca para. E é isso que faz tudo valer a pena.”
Ele se levantou, ajeitou o chapéu surrado e foi embora, deixando atrás de si o cheiro de fumaça e uma sensação de que, por mais improvável que parecesse, seus conselhos faziam sentido. Conselhos de um bicheiro, é verdade. Mas, talvez, o tipo de sabedoria que só quem já viu de tudo consegue compartilhar.