"O HOMEM QUE LIA JORNAL"
O HOMEM QUE LIA JORNAL
Naquele canto junto à dobradura da esquina daquela rua do bairro de Santa Cecília, ele ocupava sempre a mesma mesa daquele botequim. Encimado nos óculos debochadamente colocados, seus olhos vagavam no vai-e-vem das pessoas, num olhar sem ver. Na sua atitude, quieta e isolada, examinava como de hábito o noticiário do jornal rigorosamente alinhado. Antes de acomodar-se cumprimentava a todos vizinhos, que eram seus velhos conhecidos. Agora, servido de sua bebida, detinha-se em uma ou outra matéria do periódico, pausando para alguma reflexão momentânea, que por vezes levava-o a um diálogo imaginário e entre monossílabos redargüia com gestos ou se abespinhava com alguém.
- Sei lá quem!
Jamais me intrometi em tais particulares.
Observava-o, contudo.
Não arredava o pé dali.
Quem sabe não estava danado com o estado de coisas que os políticos sacripantas andavam fazendo.
Sua fronte avançada pelo escasso bulbo contrastava com a firmeza de seu corpo. A seriedade do seu semblante refletia a sua atitude enérgica de quem sabe respeitar. Mas lá dentro, um coração de menino que só faz se emocionar. Reservado, continuava aplicadamente
na rotina de sua leitura que provocava momices, carantonhas e caretas até que surgia o retângulo das cruzadas. Franzia o cenho e qual escolar do banco primário procurava esconder dos companheiros o grande achado. Era muito engraçada a sua atitude. Todos percebiam, e aquele mais próximo se insinuava de forma sacana alegando que deixara de responder uma única questão. Deixe-me mostrá-la, insistia. Um tanto relutante, permitia com a devida reserva que a apontasse e, com o seu humhumhum... descartava o fura-bolo enxerido. Tal cena repetida a exaustão, pois todos os sábados “O Homem que lia Jornal”, lá se postava e agradavelmente aguardávamos aquele momento em que ele pachorrentemente se preparava para a intrusa abordagem. É muito prazenteiro tê-lo companheiro e sua ausência seria um ataúde de tristeza. Portanto, não deixe de vir, estaremos aguardando!
Salud
paulo costa
janeiro/2008