Golpe do apê
Desde pequeno mexia com números como se fosse um grande aplicador nas bolsas de valores. Mas aplicava mesmo é na bolsa da mãe, das tias e no paletó do pai.
Sovina como nenhum outro, reunia, aos dezesseis anos, um capital de fazer inveja aos jovens de sua época. Namorar já era uma maneira de sua mente maquiavélica tramar um ganho financeiro. Nunca namorava moça pobre. Dizia já bastar sua vida cheia de necessidades.
Sempre praticou a arte de paquerar mulheres que tinham condição e, principalmente, condução. Nunca voltava a pé da balada. Ficava na rua para ver as mulheres que chegavam de carro. Não importavam idade ou beleza. Não podia era se dar mal. Formou-se em curso superior. No trabalho, fazia de sua subordinada uma escrava. Azar dela, era pobre. Mesmo sendo linda, não dava chance. Voltando ao título, já vi golpe do baú, golpe do bilhete premiado e até contragolpe.
Mas, golpe do apartamento foi a primeira vez.
Feliciano encontrou a mulher certa, bonita e com dinheiro. Primeiro passou a cevá-la, depois jogou a rede e pescou-a sem muito problema. Daí em diante vieram as mudanças necessárias no modo de comer, de vestir e no comportamento.
Acentuou-se uma transformação drástica no gosto por certos tipos de comida. Gostava de palmito, mas de cebola e pepino mantinha sóbria distância. Quando percebeu que a namorada era vegetariana, suspendeu o churrasco, que tanto apreciava, e a galinha caipira, que a mãe costumava preparar com esmero. Palmito, cebola, saladas e legumes, passaram a ser guloseimas, principalmente quando Isabeli estava por perto.
Não era bebedor contumaz, porém tragava sua cervejinha nos finais de semana. Parou de beber por completo, passando a tomar somente sucos. Outra coisa que detestava eram cachorros. Ela tinha um mini poodle, branco, e ele fazia de conta que era seu sonho ter um igual. Acariciava-o, na frente dela.
Quando estava só com o animal, a vontade era chutá-lo. Só não o fazia com medo que ela descobrisse.
A namorada, sua cara metade, ou melhor, seu dinheiro dobrado, resolveu comprar um apartamento e Feliciano mais que ligeiro se esmerou em procurar um que servisse bem para os dois. Sabia o quanto de dinheiro a amada possuía guardado, provindos da poupança que o padrinho depositara todo mês até ela completar dezoito anos.
Procurou um apê que custasse pelo menos vinte por cento a mais do que as economias dela, para que pudesse complementar com um pouco de sua poupança. Fechado o negócio, fez empréstimo na Caixa, sem necessidade, para que o bem pudesse ser registrado em seu nome, sem que a namorada desconfiasse.
Um ano depois, arrumou uma discussão. Dizendo que não a amava mais, ela foi obrigada a sair do apê, porque descobriu, tardiamente, que o que era seu não lhe pertencia. Isabeli voltou para a casa dos pais e Feliciano ficou, faceiro e gabola, com o apartamento mobiliado e totalmente pago.
Usarei duas frases para encerrar a crônica. A primeira é do Martinho da Vila:
- Não há alguém tão ruim que não tenha uma boa qualidade.
Eu, sinceramente, não encontrei alguma que ganhasse ponto na minha avaliação.
A outra é de Júnior Frutuoso ao citar frases comparativas da tradição gaúcha:
- Feliciano é mais perigoso que barbeiro com soluço.
Aroldo Arão de Medeiros
08/07/2009