- A CRÔNICA DA DOR - IOLANDINHA PINHEIRO

 

Há muitos anos, tendo conhecido o trabalho do ilustre contista cearense Moreira Campos, li uma definição da morte que até hoje não consegui encontrar outra que lhe superasse em precisão. No texto DIZEM QUE OS CÃES VEEM COISAS, o seu autor definiu a morte como algo ETERNO E ATUAL.

Eterno porque nos acompanha por toda a existência, e atual, porque, mesmo convivendo por tanto tempo e em tantos eventos, jamais nos acostumamos com a dor que ela provoca.

Recentemente perdi meu companheiro Ralph, cachorrinho que adotei há sete anos, e que me acompanhava nas caminhadas pela cidade, com o qual vivi as mais loucas aventuras, levando carreiras de outros cachorros, explorando novos sítios, e passando juntos alegrias e tristezas.

Ralph sempre foi um cão saudável e cheio de energia. Mas neste último ano uma doença implacável caiu sobre ele, fazendo -o perder a batalha em poucos meses.

Quando se ama alguém, a gente sempre tem esperança, a gente sempre acha que, mesmo contra todos os prognósticos, o nosso filho vai resistir à brutalidade da quimioterapia, e a corrosão que o câncer agressivo provoca.

Lutamos, sofremos, cada um de nós sentiu a dor de uma forma diferente, ele, inconsciente da gravidade da doença que tinha, pelo menos, não sofrerá mais. Quanto à mim, vou administrando o meu luto e revivendo a dor em cada lembrança, em cada revolta, em muita saudade que a presença de sua ausência deixou em minha casa, e em meu coração.

A morte é sempre devastadora, e quando ouvimos alguém dizendo que a morte é a melhor alternativa, é como se tentassem furtar a única coisa que ainda nos sustenta: a esperança. A morte nunca é melhor. Morrer é  o fim do que viemos fazer neste planeta, morrer é perder a sua única chance.

A morte nos despedaça a alma, nos anoitece as manhãs, nos fere desumanamente o coração.

Acredito que a morte não estava nos planos divinos, fomos feitos para viver para sempre, morrer é o fracasso do projeto.

Convivo com a morte desde a mais tenra idade, e cada impacto representa um aprendizado. De entender o que aconteceu e de tentar fazer melhor as coisas que não fiz da vez anterior, de saber lidar com o processo da doença, de saber consolar quem está comigo.

Um dia, talvez, aprenda a sofrer menos, ou consiga parar de chorar, a superar de forma menos dolorosa a falta que ele me faz, mas ainda sou humana demais para alcançar este auto domínio.

Deixo meu adeus para o meu cachorrinho (o cachorro mais lindo do mundo) e peço perdão por alguma decepção que porventura tenha causado a ele.

-Ralph, meu eterno cachorrinho, perdoe a mamãe por não conseguir explicar a você que era impossível para mim retirar todas as dores que você sentia, por não poder ter prolongado mais algum tempo a nossa convivência e por ter perdido a grande batalha pela sua vida, perdoe, porque eu mesma, nunca me perdorarei.

Sua coleira azul ainda está na porta, ainda não tive coragem de me desfazer dela, assim como a sua presença  que sempre estará em meu coração.



Iolandinha Pinheiro, mãe do Ralph.