Memórias de uma manhã de 2006 (Crônica 1)
Acordei hoje de manhã, sentindo um aperto no peito e uma vontade gritante de chorar, era meu aniversário. Fui direto para a cozinha, preparei um café com leite e enchi uma tigela de bolachas de maisena. Peguei meu edredom, liguei a TV e coloquei no canal de desenhos animados. Estava passando A Mansão Foster para Amigos Imaginários, o meu desenho favorito.
Agora, me sinto nostálgica e triste.
Justo o desenho que eu mais amava assistir para me distrair me fez voltar para um momento muito marcante da minha vida. Lembro-me claramente do dia em que fui morar com minha mãe, depois do divórcio dela com meu pai. Tenho uma memória impecável, ainda não sei explicar o porquê, mas tudo vem à tona com a mesma intensidade.
Era 2006, eu tinha apenas de 7 para 8 anos de idade, nessa época nada era fácil para ninguém, minha mãe tinha acabado de conquistar, com muito esforço, o necessário para mim, para a casa e para alugar um lugar, assim podendo me pegar de volta para finamente podermos morarmos juntas. Ela também encontrou um trabalho, naquela época, em uma cidade pequena, bem no interior, as opções eram bem limitadas. Ou você permanecia no mesmo emprego por anos, ou seguia o destino de muitos e iria trabalhava na roça, cortando cana ou colhendo mandioca. Mas então, ela começou a trabalhar na padaria do seu Elias, um senhor bacana mas que tinha um filho insuportável! A padaria que ficava em frente à praça central da nossa cidade, Palmital. Era uma das melhores padarias naquela época. Que, inclusive, existe até hoje! Nós duas morávamos no fundo de uma casa, em uma pequena casinha de madeira com piso de vermelhão. A casinha ficava atrás da praça da Igreja de Santo Antônio, um lugar que eu adorava, principalmente por causa do laguinho repleto de peixes e que sempre queria pular dentro. Ao redor da casa, havia muitas árvores frutíferas: mangueiras e pés de mamão, além de espadas-de-São-Jorge e flores de toda espécie. O banheiro era feito de barro e ficava no lado de fora da casa e, nos dias de chuva, tomar banho era um verdadeiro terror, porque sempre escorregávamos na passarela no caminho até lá. E, quando amanhecia, após a chuva, os caramujos já estavam grudados na nossa porta, o que, ao mesmo tempo, era nojento e engraçado.
A rotina da minha mãe não era nada fácil, para ser sincera. Ela acordava às 5h da manhã, preparava meu café e deixava minha roupa pronta para a escola. Me acordava com aquela voz firme, sempre me passando as instruções de cada dia: "Ana, o seu cereal e o leite estão em cima da pia, e sua roupa da escola está em cima da cama, cuidado com a geladeira que ela dá choque! Atravessa a rua com cuidado, quando chegar da escola já toma o seu banho para não ficar tarde, a mãe volta às 18h30." Morria de medo de tomar banho à noite, medo de algum bicho me pegar ou uma cobra aparecer, normal para uma casa que era rodeada de plantas e árvores . E assim eu fazia... Tomava meu café enquanto assistia Turma do Bairro e A Mansão Foster para Amigos Imaginários, e logo após me arrumava para ir a escola. A escola ficava bem ao lado de casa, bastava atravessar a rua e já chegava lá. Na volta, eu chegava em casa e esperava minha mãe. Naquela época, os horários dela eram bem imprevisíveis. Ela podia chegar às 18h30 ou, dependendo do dia, só às 22h. Mas sempre esperava ela chegar com meu salgado favorito, pão de queijo.
Se tinha uma coisa que eu realmente amava fazer, era esperar pelas folgas da minha mãe nos finais de semana. Nos dias em que ela estava de folga, colocava seu tanquinho — que não tinha tampa — debaixo do pé de manga e usava aquele espaço para lavar nossas roupas. Era o único lugar onde a extensão elétrica alcançava. Certa vez, uma manga bem madura, caiu diretamente no tanquinho e manchou todas as roupas brancas de serviço dela... Eu como uma boa sarrista desde pequena, chorava de rir com a cena e com os murmúrios dela.
Enquanto ela lavava a roupa e limpava a casa, eu adorava olhar pela janela pela manhã, observando os pés de mamão e várias plantas que preenchiam o quintal. O quintal era enorme, e minha imaginação, ainda mais... Brincava de cozinheira com as especiarias do quintal, brincava de médica, brincava casinha, brincava de morar na floresta, brincava! E nessa brincadeira quase fui tudo (risos).
Minha mãe tinha uma TV de 6 polegadas na época, que era difícil de assistir. Para conseguir sintonizar a MIX TV, ela espalhava bombril pela casa inteira. Acho que foi com ela que minha paixão por música começou, ela amava ouvir, e eu, de certa forma, acabei acompanhando.
Mas nem tudo era um mar de rosas...
15/09/2024
OBS: Essas crônicas nas quais escrevo são totalmente baseadas nas minhas histórias, histórias com as quais me deparo no meu cotidiano atual, confrontando meu passado com o presente e estabelecendo sempre uma alusão entre ambos.