SETE DIAS

Acordei de um sono sem sonhos. Abri os olhos e me espreguicei lentamente. A luz do sol entrava pelas frestas da persiana, invadindo meu quarto sem pedir licença.

Coloquei os pés no chão, deixando o calor do corpo recém-despertado se chocar com a superfície fria. Escovei os dentes e encarei meu reflexo no espelho: o cabelo desgrenhado, as roupas amassadas e um coração quebrado. Por sorte, ninguém além de mim seria capaz de perceber o terceiro fato.

Vesti o uniforme casual, beberiquei meia xícara de café e saí, fechando a porta devagar.

Lá fora o mundo girava, transeuntes apressados nas vias principais, carros em alta velocidade, cachorros passeando pelas calçadas. E eu alheia a tudo, duvidando da minha própria existência.

Dei mais um passo, hesitando sobre qual direção seguir, mas logo lembrei que não importa para onde eu vá, porque você não estará mais lá,então qualquer caminho serve.

Cheguei ao trabalho e executei as mesmas tarefas de sempre. Esse ato mecânico me ajuda a esquecer de mim, de nós.

Já se passaram alguns dias, e todos voltaram à normalidade e me aconselharam a fazer o mesmo. Disseram que a vida continua. Será?

Parece que a minha se tornou apenas um amontoado de tarefas, enquanto eu vivo no modo automático.

Após as cinco, volto para casa. Preparo um chá e aperto os botões do controle remoto furiosamente, sem parar em canal algum. Estou perdida, vagando. Nada mais desperta meu interesse.

Tomo um banho morno, e o vapor do espelho se mistura ao sal das minhas lágrimas num choro abafado pelo chuveiro.

Visto qualquer roupa e evito abrir as outras portas do guarda-roupa. Mas a sanidade me trai e caio na armadilha desesperada de cheirar suas roupas, de vestir suas camisetas, até mesmo aquela que você usou pela última vez antes de sair de casa e nunca mais voltar.

O céu escurece. Fecho as janelas e me deito na cama vazia, ocupando o espaço que era seu.

Encontro fiapos de cabelo no travesseiro, e a dor me atravessa de tal forma que meu corpo todo treme. Encolhida em posição fetal, as lágrimas jorram.

Quase meia-noite. Não jantei. Bebo uma taça de vinho com duas aspirinas.

Ouço o tique-taque do relógio. Abro um livro e fecho em seguida, o marcador na página que você parou, não posso suportar tamanha ausência.

Tento fechar os olhos e me concentro em você, até ouvir o som estridente do despertador, acordo num sobressalto. Sete dias sem você.

Visto a mesma roupa do funeral e saio para sua missa de sétimo dia.

Josih Romano
Enviado por Josih Romano em 24/11/2024
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