O BOM DA VIDA
O bom da vida são as teclas coloridas, apetecendo cada dia com temperos recém ungidos. Dá gosto ver os passos se delineando, feito anjos desgarrando do céu. O bom da vida é ter cadeados se rompendo e portos surgindo numa profusão de cântigos sem dono. Ver as gentes desbravando o peito, como se estivessem no encalço da sua própria sombra. O bom da vida são os segundos depois de cada engasgo, cada escorregão atroz, cada chão virado do avesso. O bom da vida é flagar as pegadas de Deus nas desventuras do coração, salpicando os confins da alma com cheiros difusos e sábios. É ser capaz de acariciar as encostas dos medos, dos enganos, dos trapos do querer-bem, das falanges robustas da fé. Por fim, o bom da vida talvez seja merecer deitar a cabeça num travesseiro e sentir o sono nos abraçando feito a cria mais querida.