Questão de costume

— Bom dia. Por gentileza, completa com etanol?

Na minha cabeça, no contexto, tratava-se de uma frase simples, direta, completa, com todos seus sujeitos constitutivos e nenhum ruído.

— Com o quê?, perguntou-me o frentista, com expressão de quem acabara de ouvir palavra estrangeira.

— Com etanol, repeti, sem pressa, porém já receando ter sido mal compreendido.

Ultimamente, ando passando muita vergonha em postos de combustíveis. Tudo leva a crer que por questão de inadequação vocabular. Ainda não estou habituado ao ambiente, ao qual tenho comparecido com frequência maior do que gostaria, de modo que ainda falo "etanol", quando deveria dizer "álcool". Para mim, porém, ao contrário do que pensa a alcoolemia, álcool não é o mesmo que etanol. É bem diferente, e não apenas em questão de pronúncia.

Explico: antigamente, não frequentava tanto postos de combustíveis. Quando ia, o que era raro, geralmente era para comprar cerveja ou DVDs da Calypso... Minto: fones de ouvido, quero dizer. Isso, fones de ouvido e cervejas. Nessa época, não tão distante, ainda não existia oficialmente o nome etanol estampado nas bombas. Já álcool, conhecia de vista e de sabor (horrível, aliás), mas nunca imaginaria que, um dia, viessem a ser a mesma coisa!

Para mim, álcool era álcool, aqui ou na Groelândia; etanol era pedantismo. Era, mais uma vez, uma questão de observação: olhava as bombas desnudas da palavra, à época, esdrúxula. Não via sentido em falar "etanol". Mas hoje os papéis se inverteram. Álcool já não é mais álcool, nem aqui nem na Groelândia, e etanol nasceu oficialmente tanto nos dicionários de biocombustíveis quanto nas bombas. Contudo, ainda soa anacronismo.

— Álcool?

— Isso, completa com álcool, concordei, e desci descalço, rumo à Conveniência:

— Por gentileza. Tem água mineral?

— Com gás ou sem gás?, indagou-me a recepcionista, e eu fiquei pensando comigo mesmo como podemos nos acostumar e até beber água com gás, como se fosse a coisa mais normal do mundo, mas ignorarmos a existência de etanol.

— H2O, respondi.

Apontando para a outra direção de onde eu estava, a moça respondeu: — Ah, H2O é do outro lado.

Então eu, descalço, com sede, esperançoso, fui para o outro lado, e qual não foi minha surpresa ao abrir a gaveta refrigerada e constatar que não havia água mineral alguma, mas sim uma bebida gaseificada, de suco de limão, chamada, adivinha? Isso mesmo: H2O!

Ri um riso interno, envergonhado da minha inabilidade em me comunicar relativamente, e, dali em diante, disposto a evitar, a todo custo, o pedantismo exagerado. Isto é, deixar definitivamente de chamar água mineral de H2O e álcool de etanol.

Damião Caetano da Silva
Enviado por Damião Caetano da Silva em 23/11/2024
Reeditado em 23/11/2024
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