“ Já que a forma do homem compreende tudo que está nos céus em cima e na terra embaixo, Deus a escolheu como sua própria forma. Nada podia existir antes da geração da forma humana, que contém todas as coisas. E tudo que existe é pela graça da existência da forma humana.”
Zhoar- O Livro do Esplendo
CAPÍTULO UM
Quando Adão, o primeiro dos chamados homo sapiens feitos por Elohin Deus, que segundo as crônicas oficiais foi produzido a partir do adamá, o barro vermelho da terra, ainda meio tonto pelo súbito contraste dos seus olhos recém abertos com a luz, se levantou e olhou o mundo que se descortinava à sua frente, ele não sabia quem era nem onde estava. Sua mente estava vazia de memórias e ele se sentia como uma criança que acabava de nascer. Era como uma tábula rasa, uma folha em branco onde tudo ainda estava para escrever. No entanto, nu como todas as criaturas da sua espécie vêm ao mundo, viu que era um homem já na plenitude da forma física de um adulto, de belo porte e bem composto em todos os dotes que uma criatura da espécie humana pode apresentar. “O que sou eu?” foi o seu primeiro pensamento, e foi essa primeira pergunta, feito ao âmago de si próprio a sua primeira manifestação como ser pensante que passou a ser a partir daquele momento.
Entretanto, ele ainda não tinha nome nem identidade. E também não articulava sons formando palavras. Seu cérebro captava as imagens das árvores, dos animais que o observavam, agora como um estranho entre eles; via as nuvens que se formavam no céu; sentia o vento que lhe batia no rosto, o sol que aquecia a sua pele, o aroma das flores que ornavam aquele jardim onde ele estava; ouvia o murmúrio das águas do rio que ali nascia e corria para fora dele, formando quatro correntes que se encaminhavam para o sul, à procura do oceano, onde todos os rios se ajuntam e pela primeira vez teve a percepção da sua própria existência como criatura que fazia parte daquele todo que o envolvia.
Adão não era mudo, mas não sabia ainda falar. Sua mente, que nesse limiar da existência humana estava na infância da vida consciente, não tinha desenvolvido linguagem suficiente para organizar como conhecimento o que estava acontecendo com ele. Ele estava naquela fase da vida psíquica que alguns acadêmicos chamam de incompetência inconsciente, que é quando a gente não sabe que não sabe, o que se traduz por ignorância completa, não só do mundo em que vive, como também de si mesmo e das próprias sensações.
Foi então que Elohim Deus, percebendo que na criatura que ele acabava de gerar faltava exatamente a qualia necessária para fazer dele o seu representante na terra, meteu-lhe pelas narinas, com um sopro, uma camada a mais de neurônios no seu cérebro, para que ele, diferentemente das demais criaturas da mesma espécie, pudesse elaborar pensamentos e traduzi-los através de grunhidos inteligíveis. Mais do que qualquer outra qualidade, foi o dom de traduzir em linguagem os próprios pensamentos e sentimentos que fez dele um ser humano, e quando ele articulou o primeiro pensamento e conseguiu expressá-lo através de palavras, Adão, o primeiro dos homos sapiens, de fato, teve o vislumbre inicial da sua própria identidade. E foi então que disse para si mesmo: eu sou um homem.
Assim está escrito que o ser humano inteligente apareceu na terra. E por ter seu corpo formado do barro da terra, misturado com a água que era abundante no planeta, cozido no fogo que saiu das mãos de Elohin Deus e insuflado em sua mente pelo ar que ele soprou nas suas narinas, é que a criatura moldada pelas mãos de Elohin Deus para ser o seu representante neste planeta recebeu o nome de Adão, que quer dizer o homem da terra, pois dela foi levantado.
Deve ter sido nesse momento que Elohim Deus, ao ver o seu protótipo prontinho e bonito como um anjo, como de ordinário eram os seres celestes que foram criados nas primeiras manifestações da sua potência criativa no mundo real, ele disse a Miguel, o seu arcanjo favorito, que ele chamava de filho primogênito e o assistia nessa operação digna de um verdadeiro engenheiro geneticista: “ Fizemos um homem à nossa imagem e semelhança. Eis que agora temos na terra alguém que poderá nos corresponder e espalhar a notícia da nossa existência pelo universo que nós criamos.”
Miguel olhou para Adão e viu que ali estava um ser de bela aparência, cujo corpo irradiava uma luz de cor azulada que o envolvia como uma cápsula iridescente. Era tão bonita a de se ver a criatura, que não conteve um assobio de admiração. “Fiuuu. Lindo, lindo. Ele parece, de fato, ser um de nós, meu pai”, disse ele, com um cativante sorriso, que encheu Elohin Deus de orgulho.
‘Que ele domine sobre os peixes do mar, as aves dos céus e sobre todos os animais da terra, inclusive os répteis que se arrastam sobre seu próprio ventre”, disse Jeová Elohin.
“Assim seja”, respondeu Elohin Filho. E completou: “ e principalmente, que ele espalhe pelo universo todo a notícia da nossa existência, pois é para isso que ele está sendo feito.”
Dessa forma nasceu nosso papai Adão, há cerca de trinta e cinco mil anos atrás, segundo cálculos acadêmicos que não podemos comprovar nem contestar por absoluta falta de informações confiáveis, já que elas só poderiam ser obtidas se nessa época houvessem cartórios para fazer os devidos registros. Daí que ninguém sabe como foram obtidas tais medidas, mas como se diz à boca pequena nos subterrâneos dos tribunais, o que não pode ser provado também não pode ser desmentido e assim se constroem as verdades que se tornam eternas justamente porque não se podem matá-las com a devida comprovação.
Certo que há quem afirme que todas essas informações, que se dizem científicas, não são mais que imposturas urdidas por mentalidades que não conseguem suportar a ideia de que existem coisas que podem estar além do limite da nossa compreensão. Mas a nós, que não temos pejo em admitir que não sabemos muita coisa, se sobre qualquer assunto se forma dúvida razoável, a razão nos aconselha a não simplesmente refutar. Porque são exatamente as imposturas científicas que dão lastro à historiografia oficial e quem as quiser refutar que o faça com seus próprios argumentos, porque nós não o faremos.
Dito isso, vamos admitir que possa ter sido assim mesmo que aconteceu. Que o nosso ancestral Adão foi feito a partir de um punhado de barro que Elohim Deus tirou da terra, colocou num molde e misturou com a água do rio que saia de uma fonte existente naquele jardim chamado Éden, que segundo as crônicas oficiais se dividia em quatro correntes chamadas Pishon, Guion, Hidekel, cá entre nós conhecido como Tigre, e Perat, que também depois mudou de nome e ficou conhecido como Eufrates. E para dar um arremate mais palatável aos que gostam de estruturas mais lógicas em uma narrativa, acrescentaremos que ele foi cozido no fogo do seu toque, pois que, de ordinário ele o tem nas mãos, e segundo se diz, não poucas vezes o tem utilizado para castigar pessoas desobedientes aos seus estatutos, como fez a pedido do profeta Elias quando mandou fogo dos céus para assar os iníquos sacerdotes de Baal, que estavam duvidando do seu poder. E por fim, como adrede já se informou, foi-lhe inoculada uma alma pelas narinas, através do sopro divino.
Isso dizemos em respeito à cronologia oficial que informa ter sido assim que esse nosso primeiro ancestral foi gerado. E como temos supedâneo para essa narrativa em diversas teses elaboradas por respeitados filósofos que sustentam que tudo, no mundo da matéria, é feito desses quatro elementos que são a terra, a água, o fogo e o ar, não seremos nós a descartar essa hipótese, conquanto as controvérsias a esse respeito sejam robustas e devam ser observadas, o que faremos oportunamente. Por enquanto vamos congelar nossa visão nessa hipótese e deixar para os próximos capítulos a discussão das suas premissas, porquanto neste momento, para dar corpo à nossa narrativa, o melhor a fazer é que se decline os elementos de convicção em que ela se ampara.