Lady Vesperina
É comum, eu sei, coisa corriqueira, mas não podemos ceder a mesmice de não perceber os detalhes. Sim,mais um dia que todos podiam ver as pessoas como incontáveis formigas no cotidiano de filas indianas, com suas sombrinhas e guarda-chuvas sem grife, amontoadas nos pontos e em ônibus barulhentos. A chuva não lavava a alma,mas molhava roupas desbotadas,uniformes, sapatos e como água no feijão para render, misturava se aos perfumes e cremes comprados a partir de revistas de cosméticos com bons preços. Todos pareciam ter os mesmos rostos, eram tão iguais! Lembrei-me de Fia, mulher guerreira que apanhara tanto na vida,mas não abria mão de sorrir.
De onde vem tanta tempestade sobre nós? Por que só molha a gente? Por que não temos grife? Ou será que eles acham que não temos pedigree? Formigas movimentando o formigueiro? La vamos nos mais uma vez correr atrás de migalhas, encher o formigueiro, enfeitar formigueiro, guardar nossos cremes e perfumes baratos? Quando será a mudança? Que dia aquele momento mágico vai acontecer?
Ao final do dia, no retorno, a mesma tela se apresenta. Então chega Vesperina, suada, cansada, cabelo desgrenhado que parecia ressecado e ao mesmo tempo oleoso; passou por todos sorrindo, comprou dois pães e duas fatias de salame , cheirou o cheirinho bom e guardou na bolsa surrada, orgulhosa disse: para meus filhos levarem no passeio da escola amanhã! Vesperina não tem grife, muito menos pedigree, é só mais uma formiga em filas indianas e ônibus lotados. Uma coisa pensei, as bolsas caras de grife nunca estarão sobre os ombros de Vesperina, mas também nunca carregarão sonhos, cuidados, sacrifícios de mães, irmãs,tias, avós que abrem mão de coisas pessoais, que lutam, que não se entregam, que se atrevem a sorrir . Lady Vesperina sorri mesmo dolorindo. La vai ela cochilando no ônibus, agarrada a bolsa !