A Trilha das Cotias
Piti trabalha na limpeza do pátio da universidade. Não sei seu nome, nem sei se seu apelido é mesmo Piti, porque só ouvi uma vez alguém chamá-lo assim. Eu sempre o vejo pelo pátio carpindo, varrendo folhas. Sempre o cumprimentei e nunca ouvi um retorno, mas segui com o costume.
Um dia me assustei: Piti respondeu com um bom dia! Nossa! Até parei para olhar pra trás para ver se era ele mesmo. E os dias passavam e passei a encontrá-lo cada vez mais na trilha de cimento entre as árvores...
Certo dia ele estava com outros colegas trabalhando na floresta e ao passar me chamaram e me apontaram uma trilha no meio da mata dizendo:
- Essa trilha é a trilha das Cotias. Temos visto que você gosta de entrar na mata para fazer fotos então resolvemos te mostrar a trilha.
Eu olhei, olhei e perguntei se era seguro, se não teria perigo de cair barranco abaixo em algum lugar e disseram que não.
Piti estava entre eles e me olhava ansioso. De repente pensei que era ele quem poderia ter sugerido me mostrarem a existência da trilha e decidi entrar por ela. Conheci a trilha toda e achei linda demais. Contornei o ginásio, contemplei uma vista linda da cidade, saí lá no outro lado. Ao voltar os encontrei novamente, ansiosos me olhando.
- Eu adorei! eu disse. E vi a felicidade nos olhos deles.
Depois daquele dia Piti iniciou me cumprimentar amiúde. Também comecei de vê-lo às 9 horas (em geral horário que eu chego na uni) no banco em frente à recepção onde eu retiro a chave do departamento onde sou docente. Estava sempre com um sanduíche, um café, algo assim. Eu chegava e cumprimentava. Ele olhava, mexia a cabeça, respondia com um bom dia, sorria com os olhos...
Então aconteceu. Certo dia eu caminhava pela trilha de cimento em direção à cantina e ia tão concentrada que não vi Piti varrendo a pista de corrida da universidade. Ao passar sem olhar e sem cumprimentá-lo (de fato não o vi - tão concentrada estava) ele começou a gritar e brigar comigo. Xingava que não precisava mais falar com ele, que eu era uma mal-educada por não dizer nem um bom dia, de eu não olhar para ele como se ele não existisse.
- Mas Piti, eu não te vi! Estava tão concentrada que não vi, me desculpa!
- Não tem desculpa - não fala mais comigo!
- Piti, perdão!
- Sem perdão! Não quero mais saber de você falando comigo. E virou as costas.
Lá me fui sem saber o que fazer. E os meses se seguiram comigo passando, cumprimentando e ele nem bola. Nada. Virava a cara, as costas, trocava de direção quando me via.
Um dia perguntei para a Mayara o que estava acontecendo. Ela disse:
- Ah, ele é assim mesmo. Não adianta insistir. Melhor deixar quieto. Foi o que fiz.
Mas... seguia olhando pra ele, sorrindo. Via que ele me olhava, mas fingia não olhar. Eu olhava na direção dele e sorria.
Quase meio ano depois o tempo mudou e trouxe um leve sorriso nos olhos de Piti quando me via. Eu, pacientemente, insistia no sorriso largo para ele. Certo dia me cumprimentou com a cabeça. Respondi com um sorriso maior ainda.
Passado mais um tempo voltei a dizer bom dia. Ele não respondia, mas seus olhos brilhavam de alegria.
E então aconteceu. Semana passada, depois de um mês que quase não apareci na universidade Piti me respondeu bom dia. Eu nem acreditei! Emocionada disse para ele:
- Que seja um bom dia de trabalho para você!
Pronto. Agora nos cumprimentamos todas as vezes que nos vemos. Ele me olha com aquele brilho lindo nos olhos e eu sorrio com toda força do meu coração.
Não sei nada sobre Piti. Sei que está ali na universidade há muito tempo. Sei que trabalha muito. Sei que gosta de dizer bom dia, que se importa com as pessoas - tenho certeza que foi ele quem pediu aos colegas me mostrar a trilha das Cotias - sei que fica feliz com meu sorriso e por isso entrego para ele o meu melhor sorriso.
Ele me ensina cada dia a prestar atenção ao meu redor, olhar para quem o mundo não vê, para os invisíveis da universidade, a não negar um olhar, um sorriso, um bom dia, uma boa tarde, um desejo de um dia bom de trabalho... Não custa nada, mas tem tanto, tanto valor!!
Crônica e Foto: