TEMPO DESNUDO
Gosto de falar do tempo. Não daquele tempo franzino, rouco, mas do tempo esgarçado e ferbril. Tempo de passos raros, decididos, sempre propenso aos berros da paixão, nunca se postando saciado, e nem tampouco rendido. Um tempo avassalado pelas bizarras catacumbas do querer-bem, resvalado nas encostas do medo, sorrateiro como ele só. Um tempo já coalhado, de olhar cabisbaixo, restituindo cada pétala da espera, da redenção, do torpor. Um tempo rasgado pelos guizos alvissareiros da fé, sacudido pra nunca desmerecer seu poente atônito, sua arcada mais sublime, seu trotar tão espesso. Tempo decantado sol a sol, puído nos risos e absoluto nas cicatrizes e encostas. Tempo de respirar alforriado, soturno, ávido por mais almas a parir e até compartilhar. Um tempo ao qual me rendo, descabido e sutil, destravado nessas querelas chamadas de vida. Tempo lindo, de brilho farto e entoado com leves toques de alfazema. Nesse tempo, ralo e desnudo, refaço cada gomo do meu sonhar, já descartado das dores, já absorvido daquele perdão que nunca pousará, nunca dirá a que veio. Tempo de ossos confusos e pele rara. Tempo de só fluir, abraçar e pousar. E ser.