Tutóia, terra de encantos

     Em Tutóia, um município brasileiro no Estado do Maranhão, com data de fundação de 1938, é a porta de entrada do delta do Parnaíba, mora um combatente, filho de quem um dia foi para segunda guerra mundial entre 1939-1945.

     Ver o pôr do sol nas cidades costeiras é uma tradição, não só para turistas, mas também para seu Bernardo, um senhor de 81 anos que todo dia, todo dia! -Disse ele, aos pés da imagem de são Pedro aqui estou. E olhou firme para mim e perguntou se eu não o via por aqui.

     Disse que não, mas nesta quarta visita à “terra de encantos” havia percebido a movimentação de idosos apreciando a beleza soprada por um vento incansável com um gosto de sal.

     Seu Bernardo como todo idoso prefere uma atenção dos mais jovens para deixar sua mente fruir boas lembranças e continuou a contar resumidamente sua satisfação em está ali, todo dia, à tardinha, pegando uma brisa de ventania que o fazia recordar sua infância. E eu fui aguçando a mente dele com perguntas e boas lorotas que sorriamos até.

     Eu andava com minha poetisa predileta e esposa Marinalva Almada, mas logo ela olhou os degraus da escadinha aos pés de são Pedro, desceu até o mar. Meus filhos Juan Silva e Mariely Almada a acompanharam.

     -Seu Bernardo, você nasceu aqui? Logo me disse que sim, 1941, lá no povoado, Arpoador e apontando o rumo perguntou se nós não tínhamos passeado por lá. Disse que sim e já foi dando as características do local onde era sua casa, falou das peripécias infantis por lá e ficou focado no conto de que o nome arpoador tinha sido o pai dele que botou quando voltou da guerra. Trouxe esse nome das bandas do Rio de Janeiro. E por falar em guerra, logo lembrou que um dia o navio roncou longe e ao avistar, sua mãe lembrou que ali iam homens para a guerra e em casas suas mães e filhos ficaram chorando. Foi um tempo de grande aflição. Aqui era lugar de passagem de grandes navios para São Luís por causa da fundura do mar, tudo passava por aqui.

    Lembrei dos navios que vinham, “navios negreiros” de Castro Alves, célebre “poeta dos escravos “e imaginando, os que iam com homens selecionados a guerrilhar. E interrompi o pensamento do ancião de olhos fixos ao mar.

     -Seu pai, foi e voltou?

     -Ele voltou, minha mãe teve a mesma angústia que que muitas tiveram, mas a felicidade de ver ele de volta.

     Olhando o rebuliço das ondas, vendo o sol se pondo e a lua despontando, ele dizia:

     - Aqui é minha praia, minha distração de todo dia!

     -Você mora aqui agora? Vendeu sua casa no arpoador?

     -Vendi, meu irmão ainda mora lá, vocês passaram por um coqueiro grandioso?

     -Sim! Passamos.

     Ele disse que atualmente estava morando na cidade porque precisa está sempre em tratamento de saúde. E logo foi mostrando na perna esquerda uma cicatriz de uma moléstia que foi acometido e foi desde o carnaval de 2024 que passou pelo tratamento e assustado ainda com o ocorrido narrou que ao ser levado pelo filho ao médico cirurgião vascular em um hospital na cidade de Parnaíba o médico avaliou e perguntou aos dois se eles tinham condição, pois para iniciar o tratamento que na hipótese seria cirurgia de amputação da canela e já falou logo quanto queria para começar, dezesseis mil reais. Ele disse que o filho logo falou ao médico que não tinha não, mas iam correr a trás. Então ficaram a imaginar e saindo desnorteados do consultório um senhor que aguardava atendimento também, olhou e viu os tristemente e perguntou o tinha acontecido na perna, viu o ferimento e deu uma orientação dizendo que ele ficaria curado sem precisar de cirurgia. Orientou passar banha da cobra cascavel.

     - Meu filho foi só isso que passei e sarou, ah! mas deu um trabalho pra tirar a carne morta. A moça do postinho ia cortando, e tirando...

     -E não doía?

     -Nada! Eu ficava olhando aquele serviço e via meu filho, saindo as tiras de carne morta que parecia verme, uns languandãe horrível. Ai eu ia pra casa, lavava com soro e passar a banha da bicha. Foi o que sarou. Hoje moro aqui perto. Tinha casa lá para dentro da cidade.

     - Vocês são de onde?

     - De Caxias!

     - Caxias! Terra de Gonçalves Dias. Eu me lembro que minha professora mandava ler os poemas deles.

    E puxou da memória os primeiros versos da “Canção do Exílio” e fui ajudando aquela boa memória atinar uns versos esquecidos. Eu recitei a última estrofe:

“Não permita Deus que eu morra,

Sem que eu volte para lá;

Sem que desfrute os primores

Que não encontro por cá;

Sem qu'inda aviste as palmeiras,

Onde canta o Sabiá."

       E logo lembrou que ele morreu em pleno mar.

     -Eu estou por aqui todo dia este horário e ao me despedir de seu Bernardo, já avistando os meus se afastando de são Pedro e descendo à praia da barra de Tutóia, ‘terra de encantos”. Peguei na mão de seu Bernardo, agradeci por ter compartilhado sua história e desci, fui ver a lua cheia desponta além mar, como a memória de seu Bernardo.

 

 

WALTER BERG
Enviado por WALTER BERG em 18/11/2024
Reeditado em 20/11/2024
Código do texto: T8199857
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