Foguinho

Foguinho ganhou essa alcunha ainda garoto. Era um capeta.

Rei das diabruras e traquinagens, vivia aprontando com os amigos. Baixinho, não temia os maiores, muito menos os de seu tamanho. Menores quase não havia.

Foguinho crescia e o espírito maligno crescia com ele. Quando chegou à adolescência, costumava namorar duas garotas ao mesmo tempo. Dava cano em uma para sair com a outra e vice-versa.

Vanildo era o seu nome de batismo. Mas creio que ele até esquecera-se disso, porque gostava era de ser tratado pelo apelido.

Mas o fogo dele, o facho, certo dia apagou. Conheceu Daniela, que o colocou nos eixos. O rapaz, antes alegre, que adorava curtir a vida com os amigos, se transformou. Passou a sair somente com Daniela e a sorrir menos, embora declarasse sentir enorme alegria por estar em companhia da namorada. O semblante era fechado, pois se lembrava das brincadeiras que outrora fizera e, por culpa do amor, não podia mais praticar.

Casou, teve um casal de filhos, bonitos como a mãe. Se fossem parecidos com ele não seriam agraciados com a beleza. A vida do Foguinho parecia enfadonha e, para não perder a graça, frequentava o boteco do Geraldo. Bebia pinga pura acompanhada de uns bons goles de cerveja.

Tornou-se exímio jogador de dominó, dificilmente alguém ganhava dele. Daniela foi percebendo o distanciamento do marido, foi notando o fim do romance, o abandono da casa, dos filhos. E resolveu dar um basta.

- Vanildo, ou tu paras de beber e cuidas melhor da casa, dos nossos filhos e nos dás mais atenção e amor, ou eu vou para a casa da mamãe.

Foguinho nunca imaginara que isso poderia acontecer. Nunca sequer pensara perder aquela beldade. Daquele dia em diante, transformou-se em outro homem. Trabalhava mais que o normal, chegava cedo em casa e, sempre sorridente, agradava à mulher e aos pimpolhos.

Mas como ninguém muda assim tão rapidamente, com Foguinho não poderia ser diferente. Logo teve uma recaída. Numa das viagens a trabalho, apaixonou-se por outra mulher. O caso foi duradouro, mas Foguinho sofria constantemente com o medo da traição ser descoberta por Daniela. Certo dia, desconfiado que a mulher sabia de algo, resolveu acabar o romance com a outra que, segundo ele, já estava ficando sério demais.

Mas, sem coragem de terminar o romance pessoalmente, deixou um bilhete para a amante.

“Marli, apesar da demora de minha decisão pretendo, com este bilhete, terminar o nosso romance. Nunca escondi de ti que era casado e que jamais iria abandonar minha esposa. Chegou o momento de nos separarmos. Você merece ser feliz com outro homem. Juro que nunca vou esquecer os momentos que passamos juntos. Você só me proporcionou alegria e deixará somente boas lembranças. Fique com tudo que te dei, porque foi com amor que foram doados.”

Marli, ao ler o bilhete, não sabia se chorava ou se sorria. Os motivos para as duas alternativas tinham justificativas bem diferentes. Chorar representava dizer que o tinha amado muito. Sorrir significava que ficara contente com tudo o que ele lhe dera: uma casa mobiliada, um saldo bom no banco, um carro e nenhum filho.

Ficou com a última alternativa e, aos poucos, um sorriso foi crescendo em seu rosto, até explodir numa sonora gargalhada.

Principalmente porque lembrou-se da frase de Martinho da Vila:

- É certo que a tristeza não se deve cultivar.

Aroldo Arão de Medeiros

23/03/2008

AROLDO A MEDEIROS
Enviado por AROLDO A MEDEIROS em 18/11/2024
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