ENTRE CICATRIZES E SORRISOS: MEIO SÉCULO DE REFLEXÕES (“Quando não somos mais capazes de mudar uma situação, somos desafiados a mudar a nós mesmos.” — Viktor E. Frankl)

Ontem, ao organizar uma velha caixa de fotografias, encontrei uma imagem que me transportou instantaneamente aos corredores do Colégio Santa Cruz. Há 50 anos, eu era conhecido como "o garoto dos óculos fundo de garrafa". As memórias emergiram como uma avalanche: os risos zombeteiros, os empurrões "acidentais", os cadernos rasgados.

Recordo-me especialmente de uma manhã de outono, quando Freira Coracy, minha professora de literatura, encontrou-me escondido na biblioteca durante o intervalo. Meus óculos haviam sido quebrados pela terceira vez naquele mês. Suas palavras, "As pessoas só têm poder sobre você quando você lhes concede esse poder", persistem em minha memória até hoje.

Naqueles tempos, eu oscilava entre duas vozes internas conflitantes: uma me incitava à reação violenta, impelindo-me a me tornar o opressor; a outra sugeria a invisibilidade, a completa anulação do meu ser. Em busca de soluções, recorri a diversos "especialistas em autoajuda" – meros vendedores de fórmulas mágicas que prometiam transformar-me em alguém "superior" aos meus algozes.

Foi durante uma tarde chuvosa, após mais uma humilhação, que experimentei minha epifania. Ao observar a pequena árvore no pátio, que se curvava com o vento mas mantinha-se firme, compreendi: não precisava me quebrar nem me tornar intransponível.

Atualmente, como educador, testemunho o mesmo drama se repetir em diferentes faces e histórias. Compreendi que a verdadeira força não reside em erguer muros, mas em construir pontes; não em gritar mais alto, mas em falar com firmeza e compaixão. A dignidade não pede licença para existir, ela simplesmente é.

A foto amarelada agora me arranca sorrisos. Aquele garoto dos óculos grossos transformou-se em um homem que aprendeu que sua luz não precisa diminuir para que outros brilhem. As cicatrizes do bullying converteram-se em marcas de uma lição valiosa: é possível ser gentil sem ser fraco, forte sem ser cruel.

Preservo essa imagem não como lembrança de dor, mas como testemunho de transformação. Ela me relembra, diariamente, que o antídoto contra o bullying não está em fórmulas mágicas ou extremos comportamentais, mas no delicado equilíbrio entre aceitar nossa humanidade e defender nossa dignidade.

A você, que talvez atravesse seu próprio inverno de solidão e intimidação, saiba que há primavera dentro de si. Não permita que as tempestades arranquem suas raízes. Curve-se se necessário, mas mantenha-se íntegro. Seu valor não reside no julgamento alheio, mas na verdade que carrega em seu coração.

1. Com base no texto, analise como as relações de poder e dominação se manifestam no ambiente escolar através do bullying e explique por que algumas pessoas se tornam alvos frequentes dessa prática.

2. De que forma a busca por "soluções mágicas" e extremos comportamentais pode prejudicar o desenvolvimento de uma resposta saudável ao bullying? Discuta a partir das experiências relatadas no texto.

3. O narrador menciona uma transformação em sua perspectiva sobre o bullying ao longo dos anos. Explique como essa mudança de visão reflete aspectos importantes da socialização e construção da identidade.

4. Considerando o papel atual do narrador como educador, discuta a importância das instituições de ensino na prevenção e combate ao bullying, relacionando com conceitos de cidadania e dignidade humana.

5. Analise criticamente como os diferentes tipos de violência escolar descritos no texto (física, psicológica e simbólica) podem impactar o desenvolvimento social e emocional dos indivíduos a longo prazo.