Vida simples na complicação da vida

"É preciso a certeza de que tudo vai mudar; / É necessário abrir os olhos e perceber que as coisas boas estão dentro de nós: / onde os sentimentos não precisam de motivos nem os desejos de razão. / O importante é aproveitar o momento e aprender sua duração; / Pois a vida está nos olhos de quem sabe ver … / Se não houve frutos, valeu a beleza das flores. / Se não houve flores, valeu a sombra das folhas. / Se não houve folhas, valeu a intenção da semente". (Henfil)

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Da parada do meu pau-de-arara de conceitos sertanejos calejados, vislumbrei outra lotação - com paradas obrigatórias em áreas nobres da cidade - com resumo de outras existências: "A vida é simples, nós é que a complicamos"!

Relembrei velho ensinamento, cruzado sobre mares tenebrosos em velhas caravelas rumo à estas novas terras: “Todos os dias temos centenas de oportunidades de errar, mas apenas uma no ano de acertar!”

O belo desenho que muitos pintam de um dia-a-dia descomplicado anestesia nossas ações. Para se viver bem, simplesmente nasceríamos em boas famílias, teríamos relacionamentos estáveis, seríamos, dignamente, cidadãos do bem em camuflados figurinos do sistema... E por ai vai! A vida se resumiria em “rótulos” que dignificam o homem mas, raramente, engrandecem a alma. E alma humana é bicho complicado! Principalmente quando passa a acreditar num Deus raivoso, num fogo eterno... Ou, apenas, numa passagem momentânea pelo orbe das iguarias e das baladas noturnas.

E enquanto o trem da vida vai fungando, levando vidas perdidas com suas complicações de sobrevivência diária, canto e me encanto na humildade de viver, humildemente: "...Quando eu vim do sertão seu moço / Do meu bodocó / Meu malote era um saco / E o cadeado era o nó / Só trazia a coragem e a cara / Viajando num pau de arara / Eu penei, mas aqui cheguei..."

Eh! Realmente a vida é simples quando a tornamos simples dentro do nosso “quadro” diário! A questão daquele que perambula pelas ruas, sem ter onde morar, não nos diz respeito – Problema dos governantes!? (velho jargão, velha história, velha discussão...); a criança que chora debaixo do casebre, numa noite raivosa de chuva, não nos atormenta com seu choro miúdo – Problema da mãe que a pariu!? (Velha desculpa, velha gozada, velho destino...); o velho de amanhã sem respeito aos ensinamentos dos meninos de ontem – Problema dos colégios!? (velha omissão, velha fachada, velha fatura...); a mulata que se abre ao instinto do caçador do sexo sem compromisso pelo seu clamor de mãe – Problema de sobrevivência!? (Velha prostituta, velho amante, velha dor... )...

E virá ao corpo anos e danos! Ficarão telas, ensinamento... Momentos de máximas (não à massa) nem sempre “engolível". Passarão anos inevitáveis que dormirão nos papéis dos historiadores; os danos, que poderiam ser evitados, continuarão necessários ao ensinamento da alma dentro do corpo passageiro. E, diariamente, o erro humano se embrulha em palavras apaziguadoras de pecados: Errar é humano! Assim vamos (ou vão) nos conduzindo por estreito labirintos nem sempre fáceis de ser contornados: labirintos da sobrevivência, da convivência, da “didática” , da própria continuidade da vida - simples ou complicada!

Tudo que nos rodeia é vida, não apenas rótulos para “pensamento abstrato”! O dia-a-dia tematiza-nos o expressionismo natural da sobrevivência, como telas pintadas do artista que mistura elegância, carnaval, mulher, caminhão, protesto, pescador, serenata, maternidade, paisagem marítima... sem esquecer a rede que enterra corpos deformados pela vida...

Deixemos-nos levar,então, pelo pensamento descomplicado daquele que, além de pintor, foi um apaixonado pela vida simples do nosso povo:

"_ A mulata, para mim, é um símbolo do Brasil.

Ela não é preta nem branca,

Nem rica, nem pobre.

Gosta de música, gosta de futebol, como nosso povo..."

( Di Cavalcante! )

A vida é complicada, nós é que a queremos simples.

Kal Angelus
Enviado por Kal Angelus em 16/01/2008
Reeditado em 20/10/2009
Código do texto: T819777