Lições do Dragão

Estou na China devido a um programa que gerencio. Estou no hotel essa noite. Quero fazer o famoso teste. Digito “Democracy” no Google. Aparece um monte de páginas. Dou um clique em uma delas. Erro de DNS.

Dou o clique em outro resultado do Google. Erro de DNS.

Teste feito. Realmente é verdade. Na China, tudo relativo à democracia é cortado, vetado pelo backbone chinês.

O problema é que agora estou com medo que algum imberbe entre pela minha porta e me dê um tiro na testa. Ok, estou exagerando, mas porque estou fazendo esse teste idiota?

Naquele dia, em pleno território chinês, ao pensar na censura, me dei conta que as empresas estão cometendo os mesmos erros que a China cometeu há 30 anos atrás.

Deixe-me explicar. Talvez torne o Post um pouco longo, mas terei que lembrar o leitor antes um pouco de história.

Na década de 60, Mao Tsé-Tung vai para a Rússia ver o plano do grande irmão comunista, que havia declarado que em 15 anos iria passar os EUA na produção dos principais produtos, como aço, cimento e petróleo. Para não ficar para trás, Mao decide criar então o plano “Grande Salto para Frente”, com o objetivo de passar, em 15 anos, a produção de aço da Inglaterra.

Para alcançar tal façanha tem uma idéia – a idéia dos “duplos planos”. Irá criar dois planos de desenvolvimento. O Plano I será o oficial e obrigatório para o país e terá as metas reais, por exemplo, produzir 5 milhões de toneladas de aço e 10 milhões de toneladas de arroz. O Plano II terá a expectativa de ultrapassagem do Plano I e não será divulgado (por exemplo, produzir 5.8 milhões de toneladas de aço e 11 milhões de toneladas de arroz). Seguindo os passos do governo central, cada província então deve, obrigatoriamente, criar os Planos III, baseado nas metas do Plano II, que será oficial e obrigatório, e o plano IV, com metas maiores e que não será divulgado. Isso continua para os distritos e condados, fazendo com que as metas oficiais do nível inferior sejam baseadas nas metas mentirosas do nível superior, criando os planos V (baseado no Plano IV e oficial), VI, VII (baseado no plano VI e oficial) e VIII.

Essa fase na China foi conhecida como o clico da mentira. As metas finais para os condados (quem realmente fazia o serviço) eram absurdamente maiores que o necessário e completamente irreais. O próprio país se perdeu em sua mentira e 30 milhões de pessoas morreram de fome em dois anos.

Como isso não é um livro de história, vou tentar ser o mais breve possível para explicar as causas desse tremendo fracasso. Foram basicamente três:

1) As pessoas começaram a se focar em aço, saíram das plantações e muita coisa foi perdida. Já li relatos emocionantes sobre isso, como uma “chuva” de algodão em uma cidade devido simplesmente ao fato de ninguém lembrar de colher o algodão...

2) Na mesma época, Mao decide acirrar ainda mais o comunismo e torna público as fazendas e os animais. Sem incentivo, ninguém liga se o gado foge ou se a plantação está ruim. Afinal, ninguém tem vantagem alguma em se esforçar – irão ganhar a mesma coisa.

3) Todo mundo tinha medo de falar que os números não estavam sendo atingidos ou eram irreais. A Revolução Cultural humilhava e matava qualquer inimigo do governo. Milhões de ativistas ainda sem barba eram responsáveis pelo julgamento. Só livros e idéias de Mao eram aceitos. Quem seria o pessimista para dizer que o plano de Mao não estava funcionando?

Se você não entendeu a relação com as empresas de hoje, deixe-me reduzir ainda mais as três principais causas do fracasso do “Grande Passo para Frente”.

1) Metas Irreais.

2) Falta de incentivo e mudança não-planejada (sem esperar o resultado de outra).

3) Medo ou falta de interesse em dar feedback.

Fui claro? Quase todas as empresas que conheço acabam caindo em um ou mais pontos acima.

Mas, bem, o que você tem a ver com isso? Seja você dono de empresa, gerente ou gerenciado, você pode fazer a sua parte para não cair no mesmo erro.

1) Confie em seus funcionários. Divulgue a meta e prazos oficiais. Não exija as coisas dois dias antes com medo que eles atrasem um dia. Crie e alimente uma relação de confiança. É muito mais saudável.

2) Incentivo é essencial. Se não consegue fazê-lo em dinheiro, faça em termos de qualidade de vida, ambiente de trabalho ou qualquer outra coisa. Por exemplo, porque não criar um programa em que, um dia por mês, sua equipe trabalha de casa? Ademais, espere o resultado de uma mudança para então começar outra.

3) Faça reuniões mensais com seus gerenciados e colegas. No fim de cada reunião, faça sempre a pergunta “Você tem algum feedback para mim? Estou fazendo alguma coisa ruim? Alguma coisa boa?”. Se você não criar essa abertura, nem você saberá dos seus erros.

Já me estendi demais hoje, mas queria compartilhar com vocês essas pequenas lições chinesas que me vieram à cabeça (talvez seja o sapo que tenha comido no almoço).

Agora você está avisado. Se um dia entrarem em sua sala, lhe declararem inimigo dos funcionários e lhe derem uma surra, não diga que não lhe avisei.

Dr. Zambol

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