Assisti a palestra com surpresa. Todos falavam dele, mas eu que vivo num mundo paralelo nunca havia algo sobre ele escutado. Como não leio jornais, não assisto televisão, não ouço rádio nunca havia ouvido sobre sua pessoa.

 

Ele se dividia entre quatro palcos falando sobre política, desigualdade social, educação, pobreza, renda, desastres, comunicação, sufrágio, democracia... Uma hora e meia e ele girando e falando em meio ao silêncio da multidão que o ouvia em seus fones de ouvido.

 

Finalizada a palestra nos retirávamos do local quando ele se encontrava em nosso caminho sendo requisitado para fotos e selfies da multidão. Normalmente não ligo pra isso, mas decidi entrar na fila para fazer uma foto com ele. Na verdade, era uma desculpa para elogiar a fala dele e falar algo sobre a importância de alguém famoso (já havia descoberto que ele era) tratar de temas tão relevantes e delicados com propriedade e criticidade como ele havia feito pouco antes.

 

Paciente esperei no final da final e já estava quase desistindo da foto porque ia deixando os apressados passarem e o via cansado enquanto assessores impacientes lhe dirigiam a palavra querendo que ele saísse dali para uma área privada ao lado. No entanto, ele argumentava que primeiro as fotos com quem estava esperando.

 

Finalmente chegou minha vez, mas ele não estava preparado para a foto. Postada ao seu lado iniciei a falar elogiando a maneira sóbria e crítica com que tinha abordado temas tão relevantes e comentei que estava impressionada por ele ter feito uma palestra completa com tantas abordagens, sem se perder ou resvalar em mesmices e contradições. Comentei também que os dedos de muitos presentes deviam ainda estar doendo com as surras que levaram com sua fala.

 

Ele se surpreendeu com minha fala e iniciou a dialogar. Contou que estava extremamente preocupado porque desejava de fato abordar todos aqueles assuntos pelo público presente e pela programação do evento com vários seminários tratando a amplidão de temáticas que ele trouxe em sua fala. Falou que o tempo inteiro estava preocupado, mas que agora estava feliz por ter tido o feedback positivo de alguém.

 

Passamos a falar de alguns assuntos e adentrei a questão dos desastres - tema que ele trouxe (falando coisas que eu já sabia) de um jeito simples e direto - falou da comunicação em desastres, da necessidade de avançarmos para o uso da IA na comunicação, para as tecnologias já disponíveis para melhorar o tempo, a distância entre os comunicadores e a população.

 

Contei que o tema era meu mote de estudos no mestrado, doutorado e agora pós-doutorado e que a questão que ele trouxera - a importância da comunicação verdadeira, clara, rápida e precisa em desastres e como a não informação prejudicava a gestão também era uma preocupação nossa no grupo de pesquisa em que participava no programa de pós-graduação. Em determinado momento ele me disse que sua ex-namorada pensava como eu e eu me surpreendi porque não sabia bem sobre que parte do meu pensar ele falava, mas enfim... sorri e agradeci por compartilhar.

 

Dialogando com ele eu nem percebi que as pessoas ao redor estavam todas atentas ouvindo. Em determinado momento fizemos a foto e ele colocou a mão sobre meus ombros e eu, naturalmente, o abracei pela cintura. Num segundo antes de se preparar para a foto não entendi porque ele começou a falar outra vez da ex-namorada relatando que ela havia lhe perguntado se ele iria para o evento vestido daquela forma. Ao abraça-lo para a foto eu percebi o motivo: ele estava simplesmente encharcado de suor. Com uma camisa de lã e de mangas compridas não estava vestido adequadamente para o clima de Balneário Camboriú e havia andado quilômetros girando entre os quatro palcos enquanto palestrava.

 

Após a fotografia continuamos a conversa que estava se aprofundando quando vieram chamá-lo para o espaço reservado devido a chegada do governador do estado. Ele se despediu com um abraço e rumou para a sala da imprensa.

 

Eu segui com meu séquito de amigas (eu e mais duas amigas queridas) ainda desconhecendo o impacto da fama do jovem palestrante do evento sobre minha pessoa.

 

Ao caminhar entre a multidão algo estranho começou a acontecer e isso se seguiu por todo o evento daquele momento em diante. As pessoas se viravam para me olhar e cochichavam entre si me espiando de longe.

 

Eu, incrédula, mostrava para as colegas que disseram: o que você quer? O palestrante principal do evento para tudo só para falar com a doutora e além de não ter conversado com mais ninguém e em cada foto ou selfie resguardado os braços em frente ao corpo para ela faz totalmente diferente, entra em uma conversa infinda e a abraça no momento da fotografia e ao se despedir como se a conhecesse há séculos... só podia dar nisso. Está todo mundo se perguntando quem é essa mulher...

 

Então... fiquei famosa também... com o povo se virando para me olhar ou espiando de longe e comentando entre si algo sobre mim...

 

À noite fui ler sobre o homem. Digitei seu nome no Google. Descobri que é um jornalista famoso, considerado por muitos um dos melhores analistas político do país, que é polêmico, pensa diferente de mim em muitas coisas (é de direita, conservador), mas na palestra em que eu o ouvi pela primeira vez e o conheci de perto, deu nos dedos de todos nós com o brilhantismo e a criticidade de sua fala sobre desigualdade social, educação, pobreza, desastres e gestão de desastres... 

 

E foi assim que eu tive um momento de conversa com um jornalista famoso no Brasil que eu nunca tinha ouvido sequer dele falar, que muito embora pense diferente de mim, teceu uma palestra brilhante sobre temas que é difícil alguém falar para uma multidão sem desagradar... e que, pela atenção, respeito e arguição comigo, me fez ser eu também... famosa... por um dia...