Entre Sem Bater - Fragmentação Social

Marilena Chauí disse:

"... você só faz política de mudança quando quando você tem certos universais como referência, aquilo que é comum a um grupo de pessoas ..."(1)

Algumas pessoas, ilustres e inteligentes como é Marilena Chauí, arregimentam inimigos figadais que são mais raivosos que um cão. Desse modo, entendemos como algumas pessoas têm raiva de Marilena, a incompetência provoca isso. É importante ressaltar que o seu pensamento sobre a fragmentação social é também o meu e acirra-se no mundo digital. Apoio a pensadora brasileira em muitas coisas e, por isso, talvez eu arregimente inimigos também.

FRAGMENTAÇÃO SOCIAL

Algumas frases e pensamentos podem se desvirtuar ou se modernizar com o passar do tempo. Por falar em inimigos, como os que arregimentamos a cada tentativa de debater alguma coisa, a fragmentação é a divisão de interesses. Em outras palavras, a nossa sociedade está vivenciando a criação de inimigos a partir do diversionismo e interesses identitários.

A nossa sociedade do consumismo(2) provoca a falsa impressão de que somos libertos(3) e que somos como os conquistadores.

Estas palavras e termos aplicáveis à nossa sociedade nos remetem à origem de uma frase que é lapidar: “Divide et Impera”(*)

DIVIDE ET IMPERA

A fragmentação da sociedade que presenciamos é, sem dúvida, um dividir para conquistar sem limites. Assim como no antigo Império Romano, até influenciadores procuram dividir para conquistar, e conseguem. Daí surgem os haters e os imbecis que não aceitam nenhum debate e querem vencer pela força.

Aproprio-me de eventos reais e associo a frases que se aplicam, na minha opinião, aos desvios comportamentais que se tornam "normais". Este texto teve como principal motivação os crimes cometidos durante uma partida de futebol. Num ambiente de disputa esportiva que deveria ser nobre, estive no epicentro de uma quase tragédia.

E, desse modo, foi possível resgatar a frase de Marilena Chauí e contextualizá-la de acordo com as observações que venho fazendo. É a unidade e não a fragmentação que faz uma luta ou uma revolução. O chavão que diz "unidos somos fortes" perde-se atualmente no mundo do egocentrismo(4), até que ...

POR AQUILO QUE NOS UNE

Ao contrário da ideia de que "... se cada um fizer a sua parte, sem se preocupar com o que o outro faz ..." é enigmática. Se, em alguns momentos, devemos ser responsáveis pelos nossos atos ante o coletivo, em outros pode parecer hedonismo. Assim sendo, nossa sociedade decidiu se apropriar e normalizar de frases e provérbios para o individualismo.

Entretanto, em determinados momentos, a fragmentação perde todo o sentido e torna-se essencial ter algo que seja "aquilo que nos une". Infelizmente, na sociedade digital da atualidade, parece que só nos unimos diante de alguma tragédia ou sinistro.

Surpreendentemente, os "imperadores" que advogam e praticam o "divide et impera" ainda reinam absolutos sobre seus segmentos de poder. Por outro lado, as vítimas das conquistas tentam buscar alguma causa que os unifique, mesmo na dor, na tragédia e no sofrimento. Por isso, urge uma revisão do comportamento da sociedade em relação à fragmentação não-intencional que provocamos.

CONQUISTADORES

A partir de estratégias militares de guerra, criaram-se instrumentos de dominação para fragmentar as sociedades e enfraquecer possíveis resistências. Na contemporaneidade, com a ascensão das redes sociais e as características do identitarismo, essa fragmentação assume contornos complexos. A Internet potencializa debates e permite maior visibilidade a vozes anteriormente marginais. Entretanto, o que se vê é o acirramento das divisões de opiniões, o que reforça o isolamento e o conflito entre grupos. Ganham de goleada os conquistadores que adoram ver o povo lutando pelo pão e circo.

As redes sociais, com seus algoritmos de engajamento, intensificam a fragmentação, o sectarismo e as aparências. Ao priorizar conteúdos de interesses individuais eles criam “bolhas” de informação. Desse modo, os indivíduos em seus grupos se retroalimentam de suas convicções, sem abertura para visões divergentes.

Esse fenômeno é ainda mais alarmante em contextos de temas polarizadores, que rapidamente escalam para conflitos identitários. Dentro dessas bolhas, o espaço para o diálogo se reduz, enquanto o ambiente para a construção de uma “identidade inimiga” se fortalece. Assim, a possibilidade de uma sociedade plural torna-se um mosaico de tribos sociais que disputam a legitimidade de seus pontos de vista. Esse ambiente, mutatis mutandis, transforma a sociedade em uma arena de antagonismos e dificulta a criação de consensos. Ou, por outro lado, serve como um cenário propício e fértil para a velha lógica do "divide et impera".

INDIVIDUALISMO E IMEDIATISMO

Além da segmentação de interesses e opiniões, o egocentrismo e o hedonismo predominantes na cultura moderna reforçam essa fragmentação. Nesta sociedade voltada para o individualismo, o sujeito torna-se o centro do universo, e as necessidades coletivas perdem espaço. O “culto ao eu”, amplifica-se pelas redes sociais gerando uma busca constante por validação e aprovação. Desta forma, estimula comportamentos e ideais que promovem mais o espetáculo da própria imagem do que o bem-estar do grupo. Nesse sentido, o egocentrismo digital, ao lado do hedonismo das sociedades modernas, reforça o isolamento e a competição desenfreada.

O hedonismo, em particular, também é parte importante do problema da fragmentação nos tempos atuais. A busca pelo prazer e satisfação instantânea do hedonista coloca as preocupações a longo prazo em segundo plano. Por isso, não vemos aumentar o engajamento em pautas e causas coletivas que exigem esforços e compromissos duradouros.

Quando o “aqui e agora” se torna a principal medida de valor, o envolvimento nas redes sociais ganha um tom mais superficial. O imediatismo, o consumo de conteúdos diversionistas em vez de discussões substanciais ganha o palco. A prática da reflexão e da crítica necessária para a superação do “divide et impera” esbarra, assim, nas preferências hedonistas da sociedade.

COMO REVERTER?

É provável que a fragmentação social e comportamental nunca poderá reverter o “divide et impera”, não é assim que funciona a séculos. Embora existam pontos que indicam uma mudança de paradigma, o cenário ainda apresenta desafios substanciais. O fato de cada grupo ter agora mais poder de expressão e acesso a informações cria uma potencialidade para uma democracia mais horizontal. No entanto, para que essa fragmentação tenha uma função de união, é preciso haver diálogo e respeito entre as diferenças. Ou seja, não basta apenas a coexistência de identidades rivais e excludentes, é necessário ter mais pontos em comum. Nesse sentido, a educação para a convivência plural e o desenvolvimento de habilidades de mediação e negociação tornam-se essenciais.

A superação do “divide et impera” deve vir da construção de movimentos e causas que integram pessoas de diferentes origens e visões. A partir de pautas que transcendem as divisões identitárias e sectárias pode-se evoluir. Quando um movimento, por exemplo, de sustentabilidade ou justiça consegue incorporar pessoas de várias esferas é um avanço. Não basta construir uma narrativa inclusiva, ele promove uma forma de fragmentação que, paradoxalmente, estimula a coesão e o pertencimento. Esses movimentos, ao invés de ignorarem as particularidades dos indivíduos, valorizam a diversidade como ponto de convergência.

UNIÃO E FORÇA

O objetivo do "imperador" é enfraquecer o inimigo ao dividir suas forças e criar conflitos internos que esgotem seus esforços. Na política da atualidade a proposta é uma tática de manipulação e controle de grupos sociais. A estratégia também aplica-se em contextos sociais, econômicos e até mesmo nas relações pessoais. Apesar de ser uma estratégia eficaz, “Divide et Impera” apresenta consequências negativas a médio e longo prazo.

É importante estar ciente da estratégia “Divide et Impera” para não cair em armadilhas de manipulação. Entender a história e enredos por trás dessa expressão nos ajuda, atualmente, a compreender melhor as dinâmicas sociais e políticas.

Em suma, a fragmentação que o egocentrismo e o hedonismo com o agravante das redes sociais, cria uma situação paradoxal. Ao mesmo tempo que limita a coesão social, certamente revela o poder das diferenças e a necessidade de uma convivência entre pessoas. A superação do “divide et impera” requer um esforço coletivo para transcender o egocentrismo e o hedonismo. Devemos reconhecer que a coexistência pacífica e o diálogo são a base para uma sociedade verdadeiramente plural e democrática. A fragmentação, se aplicável como base para o respeito e a cooperação, pode, assim, transformar-se em uma ferramenta vital para mudança.

E, afinal, não é possível resolver a fragmentação real se as falácias e paralogismos não surgirem de forma clara e indiscutível. A unidade de causas e as união nelas é que faz a luta e as mudanças, e não a fragmentação de interesses. Desse modo, de cada um puxa o movimento para sua causa, perde-se força e identidade, e desvaloriza o movimento do outro.

"Amanhã tem mais ... 

P. S.

(*) Atribui-se a um imperador romano a expressão em latim que ganhou o mundo como uma ideia de que deve-se "dividir para conquistar".

(1) "Entre Sem Bater - Marilena Chauí - Fragmentação Social" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/11/13/entre-sem-bater-marilena-chaui-fragmentacao-social/

(2) "Entre Sem Bater - Noam Chomsky - O Consumismo" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/01/21/entre-sem-bater-noam-chomsky-o-consumismo/

(3) "Entre Sem Bater - Livros Sagrados - Os Libertos e a Verdade" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/10/11/entre-sem-bater-livros-sagrados-os-libertos-e-a-verdade/

(4) "Entre Sem Bater - Carl Jung - Egocentrismo: A Epidemia" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/08/19/entre-sem-bater-carl-jung-egocentrismo-a-epidemia/