Bandejas, pizzas e poemas - Quando me descobri poeta
Eu precisava de um emprego. Não tinha experiência suficiente pra nada e ainda não contava a idade necessária. Somava apenas dezessete anos e alguns meses. Cursava o último ano do Ensino Médio, no período da manhã, e, ao mesmo tempo, o primeiro semestre do curso técnico em eletrotécnica, de noite, na cidade vizinha. Nos dois anos anteriores, havia feito um curso profissionalizante de eletricista, no Senai. O técnico não me agradava muito e já não condizia com os planos nada comuns que eu tinha pro futuro.
No meio do ano, tranquei a matrícula e fui em busca de emprego. Em agosto de 2005, por indicação de um amigo, e por conhecer o gerente, consegui um trabalho de garçom na pizzaria mais conhecida da cidade. Nunca havia feito esse serviço, mas gozava da confiança do chefe por ser visto por ele como um cara responsável, uma vez que compartilhávamos atividades na igreja.
Fui lá pro primeiro dia, que valeria como experiência, pra saber se eu levava jeito pra coisa. Ao ver os outros garçons mais experientes, me amedrontei. Como era possível carregar tanta coisa numa bandeja, equilibrando-a numa mão só, subindo e descendo a escada, servir às mesas com a outra mão livre, e não derrubar nada? O ofício de garçom não é pra qualquer um. É exaustivo, tanto pro corpo, quanto pra mente. Há um sem-número de clientes chatos, que pensam merecer tudo e mais um pouco, simplesmente pelo fato de estarem pagando. Quando a casa está cheia, a pressão sobre os que servem é imensa, pois é o garçom a vanguarda do restaurante, e assim, o primeiro a receber os roncos mal-humorados dos que anseiam por saciar a própria fome.
Apesar dessa loucura, nos dias do meio da semana, as horas se arrastavam. Os clientes eram em menor quantidade e mais pacientes. Muitas vezes, eu passava dezenas de minutos parado, em pé, com um bloco de notas no bolso da camisa, apenas olhando o movimento e aguardando uma solicitação pelos meus serviços. Sem ter o que fazer, o pensamento ia longe. Lembrava de boas experiências vividas, lembrava de trechos do livro que estava lendo, lembrava dos sentimentos mais latentes naquela fase da minha vida. E era assim que a inspiração brotava e a ideia surgia. Sentindo o bloco de notas no bolso da camisa pulsar no mesmo compasso que o coração, por que não colocar aqueles pensamentos no papel? Foi assim que me descobri poeta. A poesia nasceu pra mim por entre bandejas, cervejas e pizzas. Comecei a escrever versos, estrofes e poemas completos no mesmo bloco de notas em que anotava os pedidos dos clientes.
A poesia transforma tudo. As horas de espera por serviço nunca mais foram as mesmas. Na verdade, tornaram-se curtas, escassas e muito desejadas. Escrevia de tudo, qualquer ideia que me vinha à mente. Era um exercício que exigia dupla atenção: um olho na mesa, outro no papel; ou, no popular, um olho no peixe, outro no gato. Confesso que os versos dessa época eram bem fraquinhos, carentes de ritmo, de musicalidade, carregados de rimas pobres, paupérrimas. Mas, eram meus versos, que brotavam do meu eu lírico recém-nascido. Guardo esses poemas até hoje, pois transcrevia tudo para um caderninho tipo brochura de capa amarela (o primeiro). Ficarão ali por toda a eternidade em que durar o papel, e apenas ali. Esse foi o impulso inicial para uma produção poética de quase dez anos e cerca de trezentos poemas escritos. Hoje, não escrevo mais poemas. Pra ser mais sincero, muito raramente, algum verso me visita e pede pra ser posto no papel. De vez em quando, obedeço e dou vida a um poema.
Já se vão quase vinte anos que me descobri poeta. Não é uma escolha que se faz, embora eu acredite que a habilidade de escrever poemas possa ser desenvolvida por qualquer pessoa. Mas, a poesia mesmo, essa que nos encontra, nos prende e que nos obriga a escrever, essa nasce sozinha. E por que sou poeta? Não sei, talvez porque seja essa a única expressão artística de que sou capaz. Talvez porque eu só sirva pra isso, e nada mais. Mesmo que atualmente os poemas sejam raramente criados por minhas mãos, a poesia se manifesta no olhar sobre as coisas e assim nos penetra absurdamente. Eu expresso poesia nas crônicas que escrevo semanalmente e no romance que estou escrevendo. Eu sinto a poesia ao ler versos dos grandes poetas, e também dos jovens poetas com quem tenho contato pelas redes sociais. Com isso, uma pergunta que sempre me persegue, desde os primeiros versos que escrevi – Eu realmente sou poeta? – penso que não deveria ser mais feita. Acho, que sim, ainda sou poeta. E continuarei para sempre poeta, mesmo que nem sempre escreva poemas.
Porque é assim que se desenvolve a poesia, na vida real e ordinária. Como na época de garçom, em meio às cervejas que servia, louco pra tomar uma, os versos sempre brotavam. Passei a me exercitar nas rimas quase diariamente e fui melhorando. Cheguei a escrever poemas realmente lindos e que, até hoje, quando os leio, não parecem terem sido feitos por mim. Em algum momento, vou reunir os melhores versos e compor um livro de poesias. Nele estarão versos em que o poema rasteja, escala, permeia e percorre tudo, se enraizando nas profundezas da alma e da vida. Por mais improvável que seja, o texto poético nasceu em meio ao ato de servir e trabalhar. E se a poesia não existir pra servir às pessoas o que a vida real não oferece, não faz sentido a sua existência. É preciso colocá-la na bandeja e levá-la ao leitor com a maior reverência possível a fim de alimentar a sua alma. A pizza que eu servia alimentava o corpo; a poesia que aspiro e escrevo nutre a alma.