As penas do passarinho
O passarinho criou penas. Daquelas permanentes, definitivas, de um colorido vistoso e brilhante. Ainda apresenta algumas penugens acinzentadas espalhadas pelo corpo, mas decididamente, aprendeu a voar de vez. Com maestria, diga-se de passagem. Ignorando temporais com raios, granizo e assemelhados, dessa vez o voo foi para bem longe. Tão distante que deixou os pais apreensivos, uma vez que essa é a primeira de algumas das numerosas empreitadas a serem enfrentadas na vida. O ninho, há tempos vazio, ficou para trás. Mais precisamente, a onze mil e quinhentos quilômetros. Essa odisseia certamente haverá de produzir efeitos positivos e duradouros no filhote aventureiro. É uma maneira eficiente de condensar experiência e conhecimento, requisitos imprescindíveis para se atingir objetivos na vida. A aflição momentânea provocada pela arribação do filhote crescido é perfeitamente compreensível, uma vez que, tão distante, não terá a vigilância constante e a proteção paterna, estando inevitavelmente exposto aos perigos de um voo solo. Por outro lado, o exercício diário da autoproteção haverá de prevalecer, promovendo crescimento e suscitando oportunidades singulares para o futuro.
A menina partiu para desbravar a Europa. Será por apenas alguns meses, um período específico no curso de doutorado. Oportunidade imperdível, principalmente para quem frequentou somente instituições públicas de ensino. A atual missão internacional será o teste de fogo para a desenvoltura da marinheira de primeira viagem. Deverá se virar sozinha, dividindo o tempo entre os projetos de pesquisas e a própria subsistência. Não obstante as intempéries a serem superadas pelo caminho, as oportunidades de crescimento profissional devem ser aproveitadas com sabedoria, porque elas acontecem com muito pouca frequência na vida. E com o advento da modernidade tudo ficou mais fácil, uma vez que a versatilidade da comunicação encurta distâncias, permitindo estabelecer contato direto e ininterrupto, fator tranquilizador para aqueles que por aqui ficaram.
No coração dos pais, os filhos são eternamente considerados como meigas e indefesas crianças. O reconhecimento da plena independência do rebento se confronta com os sentimentos de amor, carinho, afeição e tantos outros argumentos que mantêm uma família unida. A revoada inédita lhe proporcionará contato com povos e culturas completamente diferentes. Entre os desafios a serem superados de imediato se destacam o clima severo, a gastronomia peculiar e também o idioma germânico, que possui um sistema fonético diferente do português e se mostra de difícil compreensão, notadamente na pronúncia das vogais.
Enfim, o mundo está à disposição dos destemidos, dos desbravadores, daqueles que não hesitam um segundo sequer ao encarar os desafios da vida. Entre sorrisos e lágrimas, esperanças e decepções, privações e reconhecimentos, dedicação e resultados, derrotas e vitórias, as penas do passarinho solitário se renovarão com muito mais brilho, cor e vigor. E em seu tempo, retornará junto aos seus com técnicas de voo surpreendentemente aprimoradas, a mostrar que a coragem e a ousadia, quando sabiamente dosadas, proporcionam as mais edificantes conquistas. Então, “viel glück” Ana passarinho.