Ex-matador de passarinhos
Giovani Bellettini, ou simplesmente Gigio, teve uma infância pobre. Seria melhor enfatizar que a família era paupérrima. O pai, meeiro, não era dos bons porque a ingenuidade deixava que lhe passassem a perna em todos os serviços que conseguia.
O tempo correndo e Martinho, pai de Gigio, com as dificuldades para prover comida à grande prole, oito filhos, foi adoecendo. Já não queria, capinar, roçar, nem adubar a terra. Pescava de vez em quando, quando lhe dava na telha. Sofreu alterações patológicas das faculdades mentais. Resumindo, surtou. Internado uma vez em um hospital psiquiátrico, nunca mais foi o mesmo.
Gigio fazia o que Rogério Skylab canta em Matador de passarinho, com um significado bem diferente. O motivo era matar a fome dos irmãos e pais:
Aqui tem João-de-Barro, Pintassilgo, Pintarroxo,
Pica-pau e Colibri
Aqui tem Canário-belga, Araponga, Assum preto,
Curió e Bem-te-vi
Aqui tem tanta Andorinha, Cambaxirra, Quero-quero,
Rouxinol e Juriti
Que servem de tiro ao alvo
Para espantar o tédio
E o vazio do existir
Matador de passarinho
Tico-tico me perdoa mas me vem uma vontade
Não posso me segurar
Matador de passarinho
Beija-flor tu és tão lindo
Mas chegou a tua hora
Não beijarás mais ninguém
Gostava de matar Araponga, João-de-Barro e Tico-tico. De todos o que mais apreciava era matar rolinha. Hoje essa espécie se adaptou muito bem ao meio urbano. É a espécie nativa mais comum em boa parte das grandes cidades brasileiras.
Conhecida também como rola, pomba-rola ou rolinha-comum.
Gigio tornou-se adulto, conseguiu emprego e resumidamente, estabilizou-se na vida. Tem uma boa condição, com bastante trabalho e cultiva um hábito que para muitos pode parecer estrambótico, sustenta as rolinhas que vivem e, até parece, convivem com ele.
Gasta em torno de trinta quilos de sementes e quirela de milho por mês. Suas amigas frequentam todos os dias os comedouros e a laje: para elas, mesa grande e farta.
Como tem algumas árvores no terreno, colocou porongos, ou cabaças, com furos para servirem de ninho.
O melhor local para as rolinhas se multiplicarem é uma ameixeira.
Estão para nascer entre dez e quinze novas amigas. Não deixa ninguém apanhar ameixas, que já estão apodrecendo, para não importunarem as mães e os rebentos que hão de vir.
Lembra do passado quando ouve a sequência de “crru crruu”, e lhe vem um nó na garganta.
Aroldo Arão de Medeiros
21/12/2017