NO PASSADO, HÁ QUATRO ANOS.
É impossível, hoje, três de novembro de 2024 não me lembrar que, neste mesmo dia no ano de 2020, a minha companheira de longa caminhada, nos meus braços, se despediu de mim e da vida.
Era um fim de tarde mais ou menos às 19:30 horas quando cheguei no Hospital de Clínicas para levar-lhe um livro de Palavras Cruzadas e uma caneta esferográfica que ela insistiu, para que eu e mais ninguém, lhe levasse...
Entregando-lhe a encomenda ela me deu um abraço e um beijo e disse que iria tomar um banho.
A enfermeira, solícita e atenciosa quis levá-la, mas ela respondeu agradecendo e dizendo que iria de braço comigo.
E assim fomos, ela passou pela rouparia pegou uma roupa hospitalar limpa e se dirigiu ao banheiro que ficava no mesmo andar da enfermaria em que se encontrava.
Ligou o chuveiro e tomou um demorado banho.
Terminando, secou-se com total segurança, mas quando passou a toalha na diagonal em suas costas me disse: Não estou bem, mas não fala para ninguém e soltando a toalha abriu os braços e os colocou sobre meus ombros dando-me um grande abraço, como costumava, sempre fazê-lo.
Senti seu corpo perdendo as forças e chamei as enfermeiras que, em segundos, estiveram junto comigo, já trazendo uma maca.
Soltaram-na dos meus braços e a colocaram na maca, cobrindo-a com um lençol branco e, em disparada, tomaram o rumo do corredor e chamaram um elevador.
Entrei junto, no elevador, e fui ao seu lado agarrando a sua mão e quando o elevador parou e abriu a sua porta, estávamos no andar da UTI, onde a maca, carregando-a, entrou.
Eu fiquei sentado em um banco defronte a porta.
Não sei quanto se passou, mas para mim, pareceu-me que foram horas.
Até que de repente a porta abriu-se e um jovem médico dirigiu-se a mim, sentou-se ao meu lado e com uma voz profissional mas truncada, por emoção, me disse: lamento, meu senhor, mas não pudemos fazer nada. A dona Ana Maria, já chegou na UTI, sem vida, pois teve uma parada cardíaca muito forte e não resistiu.
Fiquei em profundo silencio e, entre soluços, apertei sua mão e não disse nada.
Levantei-me do banco e tomei o elevador e desci para o térreo onde estavam meus filhos.
Não sei como consegui dar-lhes a notícia e nem sei o que falei.
Só sei que daquela noite em diante o meu coração e a minha alma foram tomados de profunda tristeza e de profunda dor.
Senti que tinha ficado menor e mais só.
E, agora, uma imensa saudade e um sentimento de ausência que não tem limites, têm me acompanhado nos dias e nas noites de minha solidão.
A sua lembrança e a lembrança da vida que vivemos estarão sempre comigo.
Às vezes, me parece que estamos juntos, na mesa de algum bar imaginário ou na Banca do Moacir- na areia da Praia de Capão Novo-ela dando as suas risadas e nós tomando uma Polar Export supergelada e eu lhe dizendo os versos do poema, profético, que um dia lhe fiz e que nunca me cansarei de repeti-lo na esperança de que, de algum lugar, ela possa ouvi-lo:
VISITA
Chegastes em minha vida,
como uma brisa mansa
após um temporal pampiano...
e desde então minhas manhãs são claras,
meus dias têm muitos sóis
e minhas tardes se tingem de mil cores
para saudar os meus crepúsculos.
As minhas noites sempre têm luas
daquelas que por tão claras e
por tão lindas, nos prendem o olhar aos céus
e nos permitem ver, na terra, o balançar dos pastos.
E tens permanecido, assim como minha luz,
a me apontar caminhos e a me afastar das sombras,
como um farol a orientar os nautas.
ou como um sinal secreto a me mostrar os rumos,
como uma bússola a me apontar o Norte,
ou como um raro amigo a me ofertar a mão.
E sei, que por fatal destino,
um dia eu me apartarei de ti.
Por tu partires ou por eu partir.
mas haverá de ficar entre nós dois,
um livro aberto para contar a história.
A tua história, na qual fui personagem,
vassalo, ou servidor, talvez teu pajem
e a minha história na qual tu foi rainha!
(Recanto da Ana e do Erner 03.11.24- Capão Novo)