Lírios, begônias, girassóis e prímulas...

É claro que as prateleiras ostentavam outros nomes com seus perfumes. O movimento, graças à véspera de Finados, certamente era maior e o ambiente reunia saudades, tristezas e alegrias, pois ali também tinha os que adquiriam cheiros bem arranjados para perfumarem bodas, aniversários, festas... A proprietária, no atendimento, era lenta, de fala leve, como talvez devessem ser todos aqueles que comerciam esse bem da natureza. A vendedora, talvez ciosa da comissão, era mais rápida e se deslocava, consultando o celular – negociaria preços? – e por pouco não atropelava a senhora idosa que olhava as flores, se deliciava com os cheiros e tinha toda a calma da pressa cumprida. Vender devia ser sempre um ato de carinho, sobretudo em floriculturas – filosofei assistindo à cena.

Fiz minhas compras de velas e flores e guardei-as para o dia seguinte, na oficialização dos ritos de fé, em respeitosas orações pelos amigos e familiares que se foram. Esqueci-me de dizer que a cena descrita se passou bem perto do cemitério, ao qual imediatamente fiz visita prévia para providenciar a faxina do túmulo em que repousam os que me são caros. Entreguei a faina da limpeza a um trabalhador de ocasião , que laborou enquanto eu refletia e voava entre a incerteza do futuro e o passado inexorável, que insistia em me visitar naquela visita.

Oro pelos meus, olho para os céus e lhes prometo, no dia seguinte, retorno e saudações, em agradecimentos por terem feito parte da minha vida, e lhes peço perdão pelas ausências, pelo jeito de homem recluso, pouco afeito a efusões táteis, mas muito próximo nas emoções, nos sofrimentos. Rápido, num piscar, menos que isso, me lembro da ressurreição... Confesso, não sei se acredito que todos eles, que caminham no infinito do tempo, um dia voltarão, mas me anima imaginá-los em outras esferas, nas quais um dia os verei e ouvirei deles, não mais ressentidos com minhas ausências: – Mas, afinal, desta vez você veio!

Ah, sim!, não posso aceitar que tudo se resuma em cinzas, armazenadas em jarros ou diluídas em mares e terras; ah!, não posso aceitar que tudo acabe em vestígios ósseos armazenados em tumbas; ah!, novos tempos, novos dias, nova dimensão esperam os homens minimamente bons, pois sei o quão difícil é ser integralmente bom, em um mundo de permanentes aleivosias... Penso que até Deus haverá de ir se ajustando em seu julgamento, e quero também eu ser contemplado e merecer a chance de melhorar sem me machucar indelevelmente para a redenção...

A ressureição... De repetente, estou eu menino assistindo às aulas de religião em um colégio católico. O mestre, aos meus olhos de menino temente a Deus, era um gênio que interpretava os evangelhos e nos mostrava a maior epopeia espiritual de todos os tempos, a trajetória do nazareno. A frase me veio, exatamente como ele repetia: “O argumento mais admirável com que Jesus Cristo provou sua doutrina como verdadeira e sua missão foi autêntica foi a sua própria ressurreição”. E não ficava nisso... Ele mostrava evidências históricas, comprovadoras da façanha humana e divina de Jesus Cristo. Foi quando ouvi, pela primeira vez, alguém falar sobre o manto de Turim, do qual não preciso para me alavancar.

Olho aberto, entrego ao meu caro ajudante a recompensa pelo trabalho. Olho para o céu límpido de dia primaveril e me sinto mais crente e mais confiante. Se alguém um dia venceu a morte, ali estava o sinal de que, para sempre, só existe recomeço, que amanhã vou saudar com lírios, begônias, girassóis e prímulas...