Biloca

Tentei de tudo para interromper o relógio, até joguei o meu Mido contra a parede, mas sem sucesso. O tic-tac me impede de esquecê-lo. É uma desgraça! O tempo parece uma droga, à medida que você se acostuma com ele, a situação se agrava. Sinto que está destruindo os meus neurônios, que já não são tão bons assim. Para evitar a perda das minhas recordações, estou gradualmente anotando as que ainda consigo recordar, compartilhando com aqueles que não tiveram a oportunidade de vivenciar o que vivi na minha infância e juventude, que sempre afirmo ter terminado quando entrei na Universidade. Uma dura realidade, pensava que jamais voltaria a ser o mesmo.

Eu gostava muito de jogar o que chamávamos de Barroca. O desafio era posicionar uma das bolinhas perto de uma parede ou muro. Os dois jogadores ficavam aproximadamente a três metros de distância, e um risco era traçado no chão para delimitar o espaço deles com o alvo. O par ou o ímpar era retirado para determinar o início do jogo. Hora um, hora outro. Primeiramente, quem acertava a bolinha posicionada perto da parede coletava todas as outras. Isso persistia até que um dos participantes ficasse sem nada para jogar. O nome do nosso algoz era Augusto Moreno Delgado. Um garoto de pele clara e olhos azuis, um excelente rival, o pavor de todos nós. Sabendo que era sempre desafiador jogar com ele, eu sempre carregava algumas bolinhas no bolso, já sabia que iria perdê-las. Era um desafio competir com ele. Todos desejavam vencê-lo, porém poucos o conseguiram. Como ele costumava ganhar, de vez em quando compartilhava um pouco da sua coleção, o que para nós, era mais do que justo. Um fato relevante que tenho que deixar registrado: ele nunca desdenhava do adversário.

As bolinhas de gude, também conhecidas como bilocas, são feitas de vidro transparente ou colorido. Quando um dos meninos acertava com força e precisão, elas se espatifavam. Este "evento" era a glória do jogo. Esses jogos eram sempre realizados no período das chuvas, já que a terra molhada dificultava o rolar da bola de gude. A bolinha não nos obedecia, por vezes ficava atolada na lama.

Há diversos jogos de bolinhas de gude, mas o Barroca era o que eu mais apreciava. Acredito que seja o mais esquecido, pois não tenho registros atuais dele. Apenas o tenho em minha memória e, antes que o perca, deixo o que consegui recuperar das minhas aventuras de criança.

As bilocas que ainda tenho estão em um vaso de planta, servem como enfeite. Acredito que as crianças de hoje nem sabem para que elas serviram um dia.

Dizem que recordar é viver, para mim essas lembranças tiram pedaços de onde não os tenho mais.

Pedro Cardoso DF
Enviado por Pedro Cardoso DF em 02/11/2024
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