Sandices IV
Um almoço como tantos.
Farra, bebida e religião — esses três pilares parecem sustentar a sociedade, e sou completamente desconectado de todos. Embora eu participe do debate e, de modo oportunista, goteje vagos comentários relevantes (uma tática friamente calculada de inserção social), minhas ideias e emoções derivam por vielas obscuras.
Eu direciono um olhar furtivo ao relógio de pulso: dezessete dos sessenta minutos de liberdade foram gastos (também cronometro meus banhos, afazeres, trajetos e o tempo de secagem do meu cabelo). Eles falam sobre laxantes. Estou pensando, enquanto balanço a cabeça, que toda coisa que amo morrerá, o que me dá, por igual, vontade de morrer agora; imagens de um futuro solitário se tornam sentimento tangível, certeza presciente, fazendo-me escasso. Eu não consigo lidar com as dores naturais, e gostaria de partir primeiro. Eles falam sobre Deus e a caipirinha.
No menor momento silencioso, durante o mínimo sinal de estanque, levanto logo, antes que a conversa se recomponha, para me retirar (um método friamente calculado de afastamento amistoso). Ao deitar no sofá da recepção, tenho trinta dos sessenta minutos de liberdade e sonho, viajo pelo espaço na lombar de um delírio enfermo, vestindo a pele de outros corpos em outras eras — hoje, eu desenhava silhuetas no período paleolítico e depois tocava em um festival. Quando retomo a consciência, cinquenta e oito minutos se passaram, sempre, com consistência impressionante.
Estou pensando, enquanto volto para o escritório, que três décadas se completarão e eu ainda não pertenço a lugar algum, o que importa menos, dói menos, a cada instante, e, vendo que eles continuam unidos, falando sobre a nova minissérie coreana, alivio-me sem saber por quê. Estou vivo em um dia que poderia ser qualquer dia da semana, em qualquer semana do mês, em qualquer mês do ano e em qualquer ano da minha vida inteira.