A HIPOCRISIA DO DIA DE FINADOS
É curioso como o calendário nos brinda com momentos que nos convidam à reflexão, mas muitos preferem a superficialidade das tradições. O Dia de Finados é um desses dias, um ritual que se repete anualmente, onde flores, velas e orações ocupam os túmulos de quem já partiu. No entanto, a pergunta que fica é: por que essa devoção repentina por aqueles que não estão mais entre nós, quando, em vida, a presença deles era relegada a um segundo plano?
Quantas vezes vimos filhos que mal visitam os pais durante o ano, mas que, no Dia de Finados, aparecem em peso, como se a saudade e o respeito pudessem ser medidos em coroas de flores e selfies junto a sepulturas? A hipocrisia se revela em cada lágrima forçada, em cada post nas redes sociais que exalta um amor que, em vida, nunca foi demonstrado.
A verdade é que muitos não se lembram de fazer companhia aos pais numa roda de amigos ou de levar um pouco de alegria à vida deles. Não guardam dinheiro para um simples passeio, mas se esforçam para postar fotos que escondem a realidade de um cotidiano de abandono. As contrariedades que poderiam ser resolvidas com um diálogo sincero se transformam em rancores que se acumulam como poeira em um altar esquecido. E, quando finalmente se despedaça a vida dos que amamos, surge um respeito tardio, como se a morte fosse um passe de mágica que transforma o que era negligenciado em um objeto de veneração.
É uma ironia cruel: enquanto os filhos se preocupam em herdar riquezas e bens materiais, esquecem-se de que a verdadeira herança é o amor, o cuidado e a presença. O desejo de crescer na vida não deveria ser apenas para usufruir de um futuro de luxo, mas sim para proporcionar um pouco de conforto e alegria àqueles que nos deram tudo.
No fundo, as homenagens póstumas são, muitas vezes, uma forma de aliviar a culpa de quem não cultivou a relação durante a vida. Pinturas novas nas sepulturas e promessas de orações não trazem de volta o tempo perdido, não curam as feridas abertas por uma relação que poderia ter sido mais rica e verdadeira.
Assim, o Dia de Finados se torna um retrato da hipocrisia humana: um dia em que o amor é expresso de forma efêmera, enquanto a vida real, repleta de oportunidades de amor e cuidado, foi ignorada. Que possamos aprender que o melhor tributo que podemos prestar aos nossos entes queridos é a atenção e o carinho enquanto eles ainda estão conosco. Afinal, é em vida que se constrói o verdadeiro legado do amor.