Casualidades de Guerra
A conta de celular do Thomas foi R$233,00 esse mês. Mas ele não está reclamando, está feliz na verdade. Essa é a primeira vez em dois anos que ele paga uma conta de celular. Antes era a empresa que pagava. O celular era da empresa, o notebook era da empresa, a alma dele pertencia à empresa, de domingo a domingo sem exceção. Enquanto limpa o balcão do bar que pertence a sua família a duas gerações ele revisa a lista de ligações. Inúmeras chamadas para a namorada, várias para mãe, e o resto para os amigos. R$233,00 de conversas agradáveis, isso não é nada. Ele ainda acompanha os sites de desenvolvimento de software, e às vezes, muito de vez em quando, sente saudade de virar à noite programando. Mas não conta pra ninguém.
O casamento da Cíntia acabou. Não se sabe se por culpa dela, ou do marido. Do pouco que se viam, brigavam. Bom, é difícil continuar tendo coisas em comum quando a gente se encontra uma vez a cada dois meses. Fazer o que? A vida anda, e a gente tem que ganhar dinheiro. Ela continua gostando muito do que faz, ainda é uma grande gerente de projeto, só está um pouco mais triste.
Roberto quer ser pai. Quer dizer, pelo menos ele acha que quer, mas primeiro vem o emprego. Chegar a diretor antes de completar 35 anos, é um belo objetivo de vida, e puxa ele já está quase lá. Os últimos cinco anos tem sido fantásticos, difíceis, mas fantásticos. Mais dois ou três anos e ele chega lá, foi o que lhe disseram. A Fernanda pode esperar mais um pouco, ela já agüentou tanto afinal. Mais dois anos. Não é hora de comprometer a carreira com um filho, perder o foco agora pode ser fatal.
No seu primeiro ano como gerente Jorge aprendeu muita coisa. Aprendeu que gerente tem mesmo que deixar o coração na recepção. As pessoas simplesmente não respeitam quem costuma sorrir demais. Hoje, por exemplo, ele barrou a transferência do seu melhor desenvolvedor para o outro setor, claro que o sujeito ficou chateado. Foi para o bem do cara e ele não entende. Se no novo time ele seria promovido imediatamente, com Jorge ele tem uma carreira. Mais um ano, um ano e meio e aí sim, uma promoção consistente, sem risco. Fazendo a barba na frente do espelho Jorge repete para si mesmo esse argumento, mas não tem coragem de se olhar nos olhos.
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Jack DelaVega.
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