A Vida e a Morte
A Morte e a Vida eram sempre assim, uma de frente para a outra, com um silêncio aguado entre elas e um desgosto expresso em seus rostos. Uma vivia pregando a paz, enquanto a outra, remoia o passado. Mas as duas sempre em silêncio.
Um dia, as duas se entreolharam sem querer, e o desgosto foi mútuo. Poderiam até pensar que pensavam diferente umas das outras, mas era exatamente o mesmo pensar “Como poderia esse ser tão hediondo existir?”. A Morte, então, cansada de sempre ter que olhar para a Vida, falou:
- Quem foi que disse que eu morri?
- Ora, e quem foi que disse que eu nasci? - respondeu a vida em um tom rabugento.
Essa não tinha sido a primeira vez que elas tinham se falado. Na verdade, por séculos viviam brigando, mas pela primeira vez, as duas viram uma verdade pouco conhecida em palavras tão vividas. Novamente, as duas voltaram a se encarar em silêncio, e o som do bravejar das ondas de indignação ecoava entre elas.
- Será então que eu nasci? - perguntou a Morte um tempo depois.
- Se isso for verdade, quer dizer que eu vou morrer?!
O silêncio reinou novamente. Não igual a um mar revolto como o anterior, mas calmo, como pequenas marolas de entendimento.
- Talvez sejamos eternos - disse a Morte - que nem o rio da vida que corre por você.
- E que nem as antigas palavras, que já foram sentimentos, e que agora, ecoam em seu coração - completou a Vida.
Dessa vez, o silêncio disse tudo. A eternidade estava ali no silêncio, e o silêncio reinava em uma eternidade ondulada.
Hoje a Morte se deu por vencida, e a Vida por consumida. E, assim, as duas velhas amigas, há tanto tempo entrelaçadas, decidiram ir para que não existam mais silêncios aguados, mas sim alguns choros profetizados.