Metade Fera, Metade Homem

Bento, o Lobisomem

Era uma noite de lua cheia na pequena Vila das Palmeiras, e os ventos fortes balançavam as árvores altas, lançando sombras dançantes sobre o chão. A vila, geralmente calma, ganhava um ar de mistério toda vez que a lua se destacava no céu, iluminando as casas simples e suas janelas fechadas. Os moradores mais antigos já conheciam a tradição: noites de lua cheia traziam a visita de Bento, o lobisomem da vila.

Mas Bento não era um lobisomem qualquer, daqueles assustadores que invadem quintais e espalham o caos. Ele era um lobisomem que todos já conheciam e, de certa forma, respeitavam. Durante o dia, ele era apenas o simpático e silencioso senhor Bento, morador do casebre ao lado do rio. Usava chapéu de palha, camisa xadrez e botas surradas. As crianças até gostavam dele e, volta e meia, pediam para ouvir as histórias de sua juventude.

Naquela noite, como sempre, Bento seguia para sua caminhada mensal. Passou pelos jardins da vila, olhando com certa melancolia para as flores que dormiam sob a lua. A cada passo, seu pelo acinzentado refletia a luz da lua, e seus olhos, antes castanhos e serenos, brilhavam em um amarelo misterioso.

Chegando ao alto do morro, Bento suspirou. A transformação, que um dia foi motivo de angústia, agora era apenas parte de sua vida. Ele já havia aprendido a lidar com ela. Lembrava-se das palavras da sua avó, uma senhora sábia, que dizia que cada alma carrega seu próprio segredo, e que o dele era, talvez, um pouco mais peludo que o dos outros.

Na vila, as luzes das casas já estavam apagadas, e os moradores, embora cientes de sua presença, não temiam. Sabiam que Bento era o lobisomem que jamais faria mal a ninguém. Para eles, ele era como a própria lua: uma presença noturna que trazia um toque de mistério, mas nada além disso.

Enquanto a madrugada avançava, Bento retornava para casa, onde, ao raiar do sol, voltaria a ser o senhor de sempre. Com um último olhar para o céu, ele sussurrou para a lua, sua velha companheira:

"Até o próximo mês."

E assim, o lobisomem mais pacífico da Vila das Palmeiras desaparecia na noite, deixando apenas o rastro de uma crônica que poucos ousariam contar.

Helena Bernardes

out, 2024

Vovó Onça Contadora de Histórias
Enviado por Vovó Onça Contadora de Histórias em 29/10/2024
Código do texto: T8185054
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