O Último Canto
Na manhã clara e fria, a floresta parecia respirar em silêncio. As árvores, altas e majestosas, permaneciam como sentinelas, e a brisa leve trazia consigo um murmúrio distante, como um lamento. Eram os pássaros — ou o que ainda restava deles. Muitos haviam sumido, e os poucos que ainda pairavam sobre as copas das árvores cantavam como se tivessem pressa em deixar sua última melodia.
A gente do vilarejo mais próximo percebia que o amanhecer já não era o mesmo. Os cantos que antes enchiam as manhãs de cor e alegria estavam desaparecendo. Os idosos lembravam de tempos em que o céu era cortado por araras azuladas, tucanos de bico colorido, e saíras pequenas como pedaços de arco-íris voando de galho em galho. Hoje, ver uma dessas aves era como um milagre, algo raro e precioso.
As crianças, que ouviam histórias sobre aqueles pássaros encantadores, perguntavam por que eles estavam sumindo. E, quando alguém tentava explicar sobre as queimadas, o desmatamento, e como as aves perdiam seus lares, havia um silêncio triste. As pequenas mentes não entendiam por que algo tão bonito e essencial estava desaparecendo.
Havia uma bióloga que costumava andar pela floresta, solitária, carregando binóculos e uma caderneta onde registrava seus encontros com os poucos pássaros restantes. Ela passava horas esperando ver uma espécie rara, e cada avistamento era tratado como um evento único, uma despedida silenciosa. Certa vez, ela encontrou uma arara azul — uma das últimas, talvez — e, ao observá-la voar em um céu quase vazio, sentiu como se estivesse vendo o próprio fim de uma era.
Com o passar dos anos, as manhãs foram ficando mais quietas. Os pássaros que antes enfeitavam a floresta com seus cantos pareciam ser uma memória, uma melodia esquecida. O céu, antes repleto de cores e voos audaciosos, agora era silencioso, como se a floresta tivesse perdido sua alma.
Mas, de tempos em tempos, ainda é possível ouvir um canto distante, talvez de um bem-te-vi, ou de algum raro sabiá que ainda encontra refúgio entre as poucas árvores que restam. É um canto solitário, que ecoa entre as folhas, como um lembrete de que, um dia, a natureza era abundante e generosa.
Para quem ainda se importa, ouvir esse canto é como uma promessa de que, enquanto houver memória, haverá esperança de que um dia os pássaros possam voltar. Mas, até lá, a floresta se mantém em um silêncio que dói, uma ausência que nos lembra de como somos todos responsáveis por preservar o que ainda resta do último canto.
Helena Bernardes
out, 2024