A música nos salva - Da Clássica ao Trap – tudo o que ouço pra ser menos triste.
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Acredito haver pouquíssima gente no mundo que não goste de música. Na verdade, sou inclinado a acreditar que não haja no mundo inteirinho uma só alma que realmente não goste (embora toda generalização seja extremamente pretensiosa e perigosa). Desde o nosso nascimento, somos embalados por canções de ninar. Antes mesmo, durante a gestação, segundo estudos, já sentimos os efeitos que a música nos causa. E não poderia ser diferente, porque ouvir uma canção nos eleva a alma e nos coloca em níveis quase celestiais. Pelo menos pra mim é assim. Não com qualquer música, é claro. E não quero com isso dizer mal de alguma canção ou estilo musical. Longe de mim! Até porque, meu gosto musical é bastante amplo e eclético. Aliás, foi por causa da música que descobri o significado da palavra eclético. Ouvi alguém responder à pergunta sobre qual era seu gosto musical, e a expressão “sou eclético” ficou na minha cabeça. Assim que tive oportunidade, fui pesquisar e descobri que ser eclético é, quase sempre, muito bom.
Sempre fui de ouvir música. Primeiramente, as que minha mãe colocava pra tocar lá em casa: eram músicas brasileiras, de vez em quando, mas quase sempre, ela ouvia o português Roberto Leal e suas belas canções. Também ouvia os repentistas de quem meu pai tanto gostava, de modo que, até hoje, guardo na memória algumas letras. Assim, comecei a desenvolver meu próprio gosto no meio da pré-adolescência. Percebi isso quando um dos meus irmãos pegou emprestado de um amigo um LP da Legião Urbana, acho que era o “Músicas para acampamento”. Ouvir a épica “Faroeste caboclo” me deixou fascinado, sobretudo pela capacidade narrativa dela e pelo fato de conseguir sustentar, por tantos minutos, uma história que não era apenas contada, mas também cantada. Dali pra frente, só quis saber e ouvir mais aquela banda. Ainda por influência do meu irmão, surgiu a minha segunda paixão: Raimundos. Foi no ano em que lançaram o álbum “Só no forévis”. Primeiro, a famosa “Mulher de fases”; depois as outras; e por fim, os outros álbuns. Foi uma febre que me fez usar bandana com o nome “Raimundos” na testa (inclusive nos jogos da escolinha de futebol em que eu treinava) e querer me vestir ao estilo dos integrantes da banda.
Um pouco mais tarde, talvez por volta dos quatorze, quinze anos, algo avassalador se apresentou a mim. Foi amor à primeira vista, uma vez que me paralisou e me deixou embasbacado. Me lembro bem do contexto. Era um sábado, por volta das 18h30, eu subia a Serra do Mar a caminho de uma capela que ficava a 400 metros de altitude, para servir em uma missa como coroinha. O padre dirigia o veículo e comandava o som do carro. Sem que minha alma estivesse preparada para tal acontecimento, inicia-se uma canção com vozes sussurradas, sobrepostas, seguidas do marcante e pontiagudo verso “Pai, afasta de mim esse cálice”. Aquilo me pegou pela gola da camisa e falou “Ouça isso, seu moleque, ouça bem! Porque, de hoje em diante, você jamais será o mesmo. Essa canção é só o começo de tudo o que a música desse sujeito vai fazer contigo”. E não havia outro jeito. Chico Buarque me pegou de jeito naquele dia (Lá ele! Muita gente já desejou isso, mas de outra forma) e nunca mais saiu da minha vida. Comecei a devorar a discografia dele e, ainda hoje, sou surpreendido por uma canção que ainda não conhecia. Chico serviu de porta de entrada para outros artistas da MPB, da Bossa Nova e do Samba que compõem a trilha sonora da minha vida. Considero-o o maior, o melhor, de quem mais gosto, o que mais me influencia, o que mais ouço. E, de quebra, ainda escreve, sendo também um dos meus autores preferidos. Chico é foda e não entro em discussão que tente falar qualquer coisa contrária a isso.
Já na minha pré-juventude, imbuído de meu espírito religioso, foi a vez do Canto Gregoriano. Aquela melodia chã, calma, monótona, hipnótica, me envolvia e cativava de um jeito estranhamente sedutor. Nessa época, eu não conhecia nada de latim, mas isso não era problema. Bastava ouvir as vozes à capela ou acompanhadas pelo som do órgão de tubo para que minha atenção ficasse presa àquelas composições. Essa paixão lançou raízes e permanece em mim até os dias de hoje, mesmo eu estando muito distante da fé e da religião. Poucas coisas superaram o prazer que tenho ao ouvir canto gregoriano, principalmente enquanto escrevo (agora, por exemplo, estou ouvindo os monges da Abadia de Solesmes). O canto gregoriano trouxe consigo a música clássica. Passei a ouvi-la também com frequência. E quando comecei a ler Rubem Alves e perceber a forma como ele falava das sinfonias, sonatas e minuetos passei a querer mais. Assim, conheci Mozart, Schubert, Beethoven, Chopin, Vivaldi, Paganini, Debussy e tantos outros que, junto com os monges, sempre me acompanham nas horas de escrita e em tantos outros momentos. Não há nada no universo musical que se compare ou alcance o que a 9ª sinfonia de Beethoven é capaz de fazer. Pra mim, é a maior canção que já se ouviu na face da Terra e que, frequentemente, me causa arrepios e me arranca lágrimas, como se eu a ouvisse pela primeira vez.
No começo da juventude, um grupo que, injustamente, ficou conhecido como banda de uma música só entrou nos meus ouvidos e não saiu mais. Todos conhecemos “Ana Júlia” e okay, musiquinha legal, chiclete e enjoativa. Mas, quando se conhece “Além do que se vê” é impossível ficar indiferente, ainda mais sabendo da origem da letra. Como não se comover com “Conversa de botas batidas” e seu aspecto de crônica jornalística à la Romantismo do século XIX. As letras são profundas, muitas vezes filosóficas, melancólicas, alegres, nostálgicas, sem falar do som dos metais em muitas composições, que elevam e muito a qualidade musical deles. A voz rouca dos vocalistas dão um aspecto ainda mais sofrido a algumas canções, como em “De onde vem a calma”, que considero a de que mais gosto e com a qual mais me identifico. Sinto que ela fala muito sobre mim e sobre meu jeito de ser. Ouvir Los Hermanos é, ainda hoje, um dos maiores prazeres de que gozo em qualquer momento, independente do meu estado de espírito.
Agora, na fase adulta, por influência de meus alunos, conheci o Trap. Na verdade, desde a adolescência gosto de rap e ouço com bastante frequência. Como qualquer ser vivo neste nosso país, ouvi Racionais MC’s, ouvi também Sabotage, MV Bill, Facção Central, 509-E e tantos outros. O espírito poético violento, anárquico e avassalador do Rap sempre me atraiu. Isso serviu de ponte para me conectar ao Trap e auxiliar no diálogo com meus alunos. Muitas “Poesias acústicas” me encantam, o romantismo de Delacruz me envolve, as letras de L7 me interessam, a dor de Baco Exu do Blues reverbera em mim, a crítica e o lirismo de Froid me cativam, a voz rouca de Yago Oproprio me atinge fortemente. Esses são apenas alguns músicos de um cenário atual promissor e, acima de tudo, extremamente poético. O Trap é crítica, é sofrimento, é correria, é violência e, acima de tudo, perpassando todos esses temas, é poesia musical de qualidade. Gosto de Trap e quero continuar ouvindo Trap, descobrindo novas vozes e novos talentos.
É dessa maneira que a música passeia pela minha vida. São diversos gêneros, bastante diferentes pelo estilo, mas, sem dúvidas, unidos pela poesia, porque é isso que me atrai. Onde vejo poesia, ali vou. E a música é um dos melhores lugares para isso. Não à toa, a poesia de Língua Portuguesa nasceu atrelada à música. Lá pelo século XVIII, homens trovadores e jograis cantavam em suas cantigas sobre seus amores, compaixões e desafetos, nos brindando com os Cancioneiros do Trovadorismo. E desde então, a poesia se expressa nessa nossa belíssima língua, cantando e encantando. Certamente, a música já nos salvou de muitos desastres, derrotas e fracassos. E é por ela que alcançamos o céu, purificamos a alma, curamos feridas e celebramos as vitórias. Contamos a nossa história através de músicas, conquistamos amores com elas, encerramos ciclos e marcamos datas através de canções. Penso que se não houvesse música, já teríamos sucumbido à nossa própria crueldade e nos tornado extintos. Porque a música nos salva e sem ela, a vida não teria graça.