O Clube dos Desafetos ("O ódio é uma confissão de que estamos sendo superados." — Friedrich Nietzsche, filósofo alemão.)

Outro dia, num desses momentos de correria, entrei na sala dos professores fora de hora, só para reabastecer os pincéis. Nem esperava ver ninguém ali, mas deparei-me com Ayla Cavalli, Lívia Fábrici e Kaira Renni, três funcionárias conhecidas por suas frequentes conversas à parte. O que me surpreendeu foi o súbito silêncio que se instalou assim que perceberam minha presença. Pela troca de olhares nervosos e o recomeço da conversa em outro tom, entendi rapidamente: eu era o assunto da reunião.

Não pude deixar de rir da ironia. Ayla Cavalli ainda guardava um certo ressentimento desde que critiquei a limpeza da sala de professores em horários inconvenientes; Lívia Fábrici, por sua vez, mantinha uma antiga mágoa de um desentendimento qualquer de anos atrás, e Kaira Renni, bem, pareceu nunca ir com a minha cara desde o primeiro dia. O curioso era que, entre elas, mal havia amizade ou simpatia; ainda assim, estavam ali, unidas por uma improvável conexão — eu. Quem diria que eu, sem querer, teria o poder de provocar uma reunião das “desafetos”?

Continuei minha tarefa, mas com um sorriso discreto, observando aquela assembleia improvisada de rostos que, tão diferentes entre si, agora trocavam suas pequenas frustrações com gosto. A situação tinha algo de cômico: três pessoas que normalmente não trocariam mais do que um “bom dia” agora compartilhavam olhares e sussurros animadas. É estranho perceber como, às vezes, as pessoas se unem para partilhar esse tipo de antipatia, quase como se precisassem do outro para dar corpo às próprias frustrações.

Esse tipo de situação nos faz pensar. Por que alguém se incomoda tanto com a vida de outra pessoa? Talvez porque, para muitos, aquilo que não conseguem ter ou ser se torna um espelho incômodo, refletindo inseguranças que preferiam manter ocultas. E ali estavam aquelas três, suas pequenas queixas individuais se entrelaçando em uma espécie de clube involuntário, uma irmandade de insatisfações compartilhadas.

Foi então que percebi que eu não estava simplesmente “provocando” essas pessoas. Na verdade, minha simples presença, minha maneira de seguir meus próprios rumos, parecia servir como um lembrete incômodo do que talvez desejassem ou sentissem faltar. O que antes eram migalhas de incômodos individuais agora era uma grande fatia de desgosto compartilhado, uma espécie de sinfonia desafinada onde eu, involuntariamente, era o maestro.

Ao sair da sala, senti-me estranhamente fortalecido. Compreendi que, enquanto eles se ocupavam em debater minha vida, eu tinha uma vantagem: estava ocupado demais vivendo-a. E no fim das contas, essa foi a maior lição de todas. Aprendi que vale mais valorizar aqueles que estão genuinamente ao nosso lado, em vez de perder tempo com olhares enviesados e palavras vazias.

Ao final, seguir o próprio caminho, com firmeza e propósito, é o que realmente importa. E se essa estrada atrai os olhares daqueles que, por suas razões, preferem alimentar o incômodo? Pois que seja! Porque, no fundo, cada novo “membro” do clube dos desafetos não é mais do que a confirmação de que estou seguindo exatamente por onde deveria.

5 Questões Discursivas sobre o Texto:

Qual a principal emoção que o narrador experimenta ao descobrir que é o assunto de conversa entre seus colegas de trabalho?

De que forma as relações interpessoais entre os colegas de trabalho são descritas no texto?

Qual a reflexão do narrador sobre as razões pelas quais as pessoas sentem inveja ou ressentimento em relação aos outros?

Como a experiência vivida pelo narrador o fez perceber o valor de seguir o próprio caminho?

Qual a lição que o texto nos oferece sobre as relações humanas e o lidar com as críticas e inveja?