O chupim do nosso jardim
Nosso jardim da casa na Vila Placidina, em Ponta Grossa, embora pequeno, é um santuário de pássaros. Uma pitangueira, uma caramboleira, uma aceroleira, um pote com água fresca, duas garrafinhas com água adocicada, um prato com alpiste e painço, um comedouro com mamão e bananas, quirera esparramada no chão, os insetos e vermes da terra, vasculhada pelas aves, dão conta de fazer aquele reduzido espaço, perto do centro da cidade, sempre muito cheio de vida. São sanhaços, sanhaços-papa-laranja, sabiás-laranjeira, sabiás-do-campo, sabiás-poca, bem-te-vis, cambacicas, saís-azuis, colibris, avoantes, canários-da-terra, rolinhas, chupins, joões-de-barro, corruíras. Mais raramente guaxos, tiés-sangue, saíras-preciosas e, estranhamente, pardais e tico-ticos; estes dois últimos antes eram comuns, mas passaram a quase não mais serem vistos. Nestes últimos dias, para nossa surpresa, apareceram pela primeira vez um jacuguaçu e uma saracura-do-mato. Pareceu-nos que a natureza anda mesmo desorientada.
É um rico divertimento ficar observando os pássaros, aprendendo seus hábitos e comportamentos. Constata-se que há os que são pacíficos, há os briguentos, há os tímidos. Todos têm preferências alimentares bem definidas. No comedouro de frutas, uma rígida hierarquia: os sabiás-do-campo têm preferência, e costumam comer em família, até quatro indivíduos; depois vêm, na ordem, os sabiás-laranjeira, os sanhaços e, no final, o tranquilo bem-te-vi, que costuma tolerar os sanhaços enquanto bica as bananas. Sabiás-laranjeira e bem-te-vis sempre vêm sozinhos – salvo quando vem junto um filhote –. Os sanhaços aparecem em até sete indivíduos ao mesmo tempo, quando ruidosas balbúrdias chegam a jogar no chão as frutas do prato. As avoantes e os chupins chegam aos bandos para ciscar a quirera no chão, os canários-da-terra vêm quase sempre aos casais, no prato de alpiste e painço, e também na quirera.
Não sei por qual razão destes tempos desarrazoados, os antes predominantes pardais e tico-ticos têm desaparecido. Uma pardaloca às vezes vem bicar as frutas do comedouro, junto com os sanhaços. Mas o que nos chamou a atenção no início deste ano foi uma extremosa mãe tico-tico, alimentando um filhote de chupim já bem maior que ela. Aparentemente embaraçada em sua transvertida tarefa, ela ora conduzia o filhotão às frutas, ora à quirera no chão, ora ao prato com alpiste e painço. E ele, chiando de protesto, seguia-a obsessivo, abrindo um bico enorme, onde cabia toda a cabeça da mãe adotiva. Uma visão bizarra, às vezes até revoltante. A natureza não se cansa de nos surpreender com suas traquinagens.
Talvez por ser a preferência alimentar dos tico-ticos, era mais comum ver mãe e seu filhotão no prato de alpiste e painço. Mas, justamente para evitar que os pássaros maiores, tais como as avoantes, rolinhas e os chupins, acabassem com os grãos destinados prioritariamente aos pequenos canários-da-terra, protegi o prato com uma tela de arame com duas aberturas pequenas, que só deixam passar os pássaros menores: não só os canários, mas também os pardais e os tico-ticos. Um graveto fora da tela, junto às aberturas, serve de poleiro para os pássaros. Então, a mãe tico-tico entrava pela abertura, enquanto o filhotão aguardava chiando, protestando, abaixado, tremulando as asas, bico aberto, empoleirado no graveto. A mãe pacientemente entrava e saía pela abertura, levava os grãos do prato para o bico do birrento chupim.
Passados meses, os chupins continuam frequentando a quirera esparramada no chão. No início, só um chupim adulto – que creio ser uma fêmea, por não exibir o brilho azulado típico dos machos – frequenta o prato com alpiste e painço. Ela vem sozinha, pousa no poleiro fora do prato, não consegue passar pela abertura pequena, então enfia a cabeça e alcança alguns grãos mais próximos. De quando em quando, saltita no poleiro, como a sacudir o prato para fazer com que mais grãos cheguem ao alcance do seu bico. Engenhosa, parece ter aprendido o método com uma extremosa mãe granívora.
Deduzimos que é o filhotão – então seria filhotona – que víamos meses atrás, agora já um chupim adulto. Resolvemos dar-lhe o nome de Macuna, sincopado de Macunaíma. Apesar da implicância pelo fato de a considerarmos fruto de um cruel parasitismo, ela acabou conquistando nossa simpatia; pela criatividade, pela confiança e assiduidade com que frequenta o prato de grãos e nos diverte com seu engenho.
Mas eis que ela continua nos surpreendendo. Agora, tem vindo acompanhada de um chupim com o característico brilho azulado dos machos. Ela está compartilhando seu aprendizado com um companheiro recente. E dentro em pouco, possivelmente veremos de novo uma extremosa mãe tico-tico visitando o prato de grãos com um filhotão chupim. Nos perguntaremos então se ele será um filho-neto adotivo, fruto das artimanhas da natureza.