A MULHER FIEL

Crônica

A MULHER FIEL

(Ivan Siqueira)

Armando e José moravam em uma cidade do interior, eram amigos desde os tempos de escola. E tinham a mesma profissão, analistas de sistema, e trabalhavam em uma empresa de tecnologia sempre no turno da noite, todos os dias. Passavam a madrugada trabalhando, de 22:00 horas às 4:00 horas da manhã. E, é nesse horário que uma mulher pode se tonar infiel.

Era fria a noite, já se aproximava de 1:00 da madrugada, e eles faziam um lanche, um chocolate quente com sanduíche, no refeitório da empresa, juntos com outros colegas de trabalho.

Como de costume, enquanto saboreavam o lanche, conversavam amenidades, o resultado do futebol, o assalto ao caixa eletrônico, essas coisas. Mas, um assunto do noticiário da televisão foi levantado ali por um colega, o marido que matou a mulher que lhe foi infiel. Armando tinha um ponto de vista sobre o fato, certamente machista, quando disse:

- Toda mulher é infiel, uma questão de oportunidade! É só o cara facilitar, viajar, ou mesmo, até na hora do trabalho do cara, ou delas, e elas enganam o cara! – disse Armando.

A fala de Armando causou visivelmente um mal estar entre os colegas, mas havia alguém ali que concordou com ele:

- Isso é o que mais dá por aí! – concordava um dos colegas.

Mas, em segundos veio a reação imediata de outro colega:

- Armando, desculpe, mas você é muito machista, cara! Será que alguma namoradinha sua namorou outro menino quando você era adolescente, foi isso? – perguntou, em tom de zombaria e descontração.

Os amigos riram dessa insinuação, e o interlocutor continuou:

- Sai dessa, cara, tem muita mulher honesta no mundo, a grande maioria das mulheres – ressaltou esse colega.

Nesse instante, um outro colega interrompeu a forma como a conversa tinha tomado rumo. Ele disse:

- Pera aí, vamos com calma, o fato de uma mulher trair o marido, isso não quer dizer que ela seja desonesta, alguém trai, quem sabe, por questões psicológicas, sei lá, mas daí, rotular a mulher de desonesta ou honesta se trai ou não, cara, desculpe, são coisas muito diferentes!

Mas, Armando revidou forte:

- O cara sai de casa pra trabalhar às 22:00, e tem mulher que bota outro na cama dele, e você acha que isso não é desonestidade?

Aí, um outro colega, lá no seu canto, fazendo seu lanche tranqüilo, resolveu apontar uma questão que parecia ser questão de ordem, e disse:

- Vou me intrometer. Mas nesse mundo de liberdade sexual em que a vida se tornou, por que razão uma mulher necessita trair, e ainda vai trair na cama dela, com tanta cama que ela pode usar pra trair? Me explica isso!

E, Armando, então, deu a explicação:

- Heitor, você é muito inocente! O desejo sexual tem facetas, tem razões, que a própria razão desconhece! A infidelidade, Heitor, é um desejo orgânico, o corpo precisa disso! – e continuou - E, o pior disso tudo, Heitor, não é nem a traição, é o traído nunca ficar sabendo, essa é a dor maior! – concluiu Armando.

E, aí, alguém ponderou:

- Aí, não deu pra entender, se o traído não fica sabendo, como pode doer nele?

O assunto ia longe, mas Armando, já se sentindo derrotado pelos colegas nos seus argumentos, respondeu encerrando a discussão:

- Dói na alma! Dá muita pena! – e se calou.

Ninguém observou, mas José viu que o amigo Armando olhara para ele, antes de dizer essas palavras finais.

José era casado, tinha uma filhinha de 3 anos de idade. Ouvia aquele papo ali, quieto, mas já tinha percebido que o seu amigo falava aquelas coisas todas como se o avisasse que na casa dele, José, isso poderia estar ocorrendo. Eles eram muito amigos, desde a escola, e aquele olhar que Armando dirigiu a José, fez José acreditar nisso. José tomou as palavras de Armando como se fossem um alerta de amigo, como se Armando soubesse de alguma coisa sobre a vida de José, mas sem coragem de falar diretamente, Armando iniciou aquela conversa ali! E José sabia, Armando nunca falaria diretamente pra ele!

José não acreditava na infidelidade de sua mulher, eram felizes, mas, as palavras de Armando ressoavam em sua cabeça, “a infidelidade é um desejo orgânico!”

O lanche terminado, quando todos voltaram ao trabalho, José, então, alegou uma dor de cabeça forte, uma enxaqueca que o acompanhava sempre. José pegou a blusa de frio, largou o trabalho, e com aquelas palavras do amigo martelando em sua cabeça, “toda mulher é infiel... até na hora do trabalho elas enganam o cara... a infidelidade é um desejo orgânico!”. José, então, foi para casa.

Já no estacionamento, ligando seu carro, José teve um pensamento terrível: se uma mulher engana o marido que sai de casa pra trabalhar as 22:00 e só chega do trabalho às 4:00 da manhã, ela deve receber o amante em torno de 1:00 da manhã. Olhou o relógio. Já passava de 1:00. José partiu para casa. Chegando próximo de sua casa, parou o carro uma esquina antes, e foi a pé pra casa, naquela madrugada fria.

Entrou pela porta dos fundos, em silêncio, sem que a chave fizesse nenhum barulho. Fez carinho na cabeça de Lola, sua cadela, para que o animal não desse sinal de sua presença. Lola ficou quietinha. José passou pela cozinha, pelo corredor, chegou até a porta do seu quarto, estava fechada, e, José parou, ofegante. Seu corpo gelou ali em frente daquela porta. Segurou a maçaneta, e abriu a porta de um só golpe. E, lá estava a cena à sua frente: sua filhinha dormindo ao lado da mãe, sua mulher, também dormindo, linda, e fiel, como sempre foi em toda a sua vida!

Ivan Siqueira Autor
Enviado por Ivan Siqueira Autor em 25/10/2024
Código do texto: T8182006
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