Um jardim "quase encantado"

__Que gracinha! Beija-flores dançando em volta da minha cama!

Observo o discreto feixe de luz do sol passando pela fresta da cortina que balança suavemente exalando um perfume do campo.

__Nossa, isso é lavanda! Que delícia! Isso parece um comercial de amaciante de roupas! Tudo leve, florido e perfumado! E que piados lindos têm essas aves lá fora! Que pássaros serão?

Ameaço levantar quando de repente alguém entra no quarto:

__Bom dia, madame! - vejo que dormiu bem. Trouxe o seu café! Os pássaros a que a senhora se refere são rouxinóis! O jardim tem milhares deles!

E esse de roupa preta e branca, nariz pontudo e olho fechado, quem seria? E esse café na cama? Só vi isso nas novelas que minha mãe costumava assistir. E as novelas bem antigas!

Lá estava eu, frente a uma enorme bandeja de prata repleta de frutas, torradas, queijos, suco, café e chá.

__Que chá é esse? Perguntei.

__Frutas vermelhas, madame. Me disseram que é seu chá preferido. Espero estar do seu agrado. Se preferir tomar seu banho antes, saiba que a empregada já colocou seu roupão no banheiro juntamente com os óleos essenciais na banheira.

Enquanto aquele “mordomo” falava eu prestava atenção no verde do jardim que me convidava a desbravar. Que lugar! Que paz! Parecia que eu estava numa espécie de “jardim encantado”.

__Vou tomar banho e colocar a minha roupa costumas, aquela que sempre uso e chamo de “roupa- da-sorte” Uso tanto que ela parece entrar em mim sem nenhum esforço. Me visto de olhos fechados.

__Seus vestidos estão todos no closet madame. Só escolher. Com licença e tenha um bom dia.

Preciso escrever.... Pensei.

__Ah, ainda que não me perguntou, sua escrivaninha está logo ali, frente a janela. Juntamente com o capítulo que a senhora está escrevendo. Mas se preferir o escritório já está arrumado e pode escrever lá também. Com licença.

Estava tudo tão bom...jardim, cheiro do campo, bandeja de café na cama, tudo tão perfeito, tudo tão, tão ...chato! Até ouvir o barulho de um estilhaço.

Era o gato, que havia derrubado um copo no chão. Ele estava tentando me acordar para lhe dar ração e acabei despertando daquele sonho maluco e perfeitinho.

__Obrigada, Freddie! Obrigada meu bichano! - eu disse abraçando e quase esmagando o gato. Ele havia me acordado desse sonho esquisito e chato! Onde não existia lugar para a minha roupa da sorte.

Não vou dizer que eu não queria todos os dias acordar com a visita de beija-flores no quarto. Não me preocupar em fazer o café da manhã, ter a banheira de espuma me esperando mas, a minha realidade é outra e precisa ser encarada como tal.

A minha escrivaninha está bem velhinha sim mas, é a minha escrivaninha! Onde escrevo desde 2012 meus livros. Olhei minha velha parede desbotada precisando urgente de uma pintura. Lá estavam os mapas mentais que eu criava em folhas de sulfite, os post-its, as planilhas.... Tudo como eu havia deixado. Não existia naquele quintal um “jardim encantado” para eu desbravar mas sim, horários, compromissos, afazeres diários de qualquer mortal. No lugar da bandeja de café e chá de frutas vermelhas eu tinha que me lembrar que precisava correr no mercado para fazer as compras. Faltava açucar, café e a ração dos gatos.

E lá ia eu, vestida com a minha “roupa da sorte” encarando o trânsito, berro das crianças que entram nas vans escolares, carro do ovo...

Na vida precisamos aprender uma coisa:

Não nos vitimizar perante as dificuldades da vida. Devemos encarar o trabalho, os afazeres diários, a rotina, sempre buscando melhorar a cada dia mas, o vitimismo jamais será a solução.

Existe pessoas que tudo que acontece de ruim na vida dela, ela acaba se vitimizando depois e por qualquer motivo faz questão de jogar na cara das pessoas, dos amigos, vizinhos, parentes ou mesmo nas redes sociais sua situação, como se o mundo tivesse culpa de algo que não deu certo pra ela:

“Você não está na minha pele pra saber ou, a mais conhecida agora é “ Você não calça os meus sapatos pra saber” "Essa do sapato é a melhor."

Vitimismo! Para não aceitar que sua vida é sim, como a de tantas outras pessoas. Com dificuldades sim mas, é vida! Ninguém é obrigado a calçar os sapatos de ninguém. Cada um com o seu chinelo, ok? Porque senão vamos transformar a vida em um vitimismo sem fim! E o que devemos fazer é transformar a nossa vida e aprender com todas as dificuldades que nos é apresentada. Não vivemos numa espécie de “jardim encantado”. Todos temos de lutar e conquistar dia a dia um lugar ao sol. E o sol, nasceu para todos. Basta abrir a janela do coração. Só não abro mão do meu chá de frutas vermelhas.

Andreia Caires
Enviado por Andreia Caires em 25/10/2024
Reeditado em 25/10/2024
Código do texto: T8181965
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