DESCOBERTA.

Hoje acordei meio que diferente.

Nada dava tão certo quanto eu esperava.

Nada me fazia sorrir e nem me dava ânimo.

Sabe aquele dia em que você nem ousa olhar-se no espelho?

Aquele receio de conseguir enxergar-se como não quer,

de se deparar com a realidade que mora escondidinha dentro de você?!

Pois é, hoje nasci assim, com minhas dúvidas afloradas.

Abri os olhos e a escuridão do meu quarto me deu medo.

A roupa não me caía bem,

apertava embaixo, folgava em cima, marcava, espinhava...

O café da manhã me enjoava... Muito forte, doce, fraco, amargo...

A sapatilha me causava dor na coluna

Resolvi por um salto, fiquei elegante.

Dei meia volta, olhei meu espelho e falei: Nem vem!

Peguei a bolsa, a chave da casa, do carro, do escritório e saí. Cruzei sinais, pessoas, paisagens, animais.

Parei o carro, peguei tudo que precisava e saí...

Olhei todos por cima do meu próprio olhar.

Não sou má, mas precisava naquele momento me sentir assim,

é que acordei e não me vi. '

Pisei em falso, torci o pé... Uma dor insuportável me enlouquecia.

Um homem de pouco mais de meia idade, me segurou e não me deixou cair.

Olhei bem dentro daqueles olhos cristalinos, presos num corpo cansado, com roupas maltrapilhas, que como companhia só tinha um fiel cão que não se afastava... Só o olhava com amor.

Aquela voz cansada me falava: ' Está bem moça?' Você acha que consegue andar?

E eu perdida na paz daquele olhar, daquela voz...

Já não sentia dor física, só a que me machucava a alma.

Simplesmente agradeci por ser ele a me amparar, a me ensinar apenas com um olhar.

Ele sorriu, falou que a vida era muito mais do que acordar um dia sem calor na alma. Me falou que a vida era feita de calor e frio, e que às vezes acomodamos dentro de nós um temporal porque não deixamos escorrer a chuva fina.

Ao sair, ele percebeu que ainda havia uma chave caída no chão e me chamou... Moça é sua!

E eu falei: Não tem importância, o senhor já me entregou a chave que estava perdida.

E ele insistiu, mas essa chave é sua, vai fazer falta, ela abre alguma porta!

Respondi com um sorriso ainda acanhado, que ele já havia me dado a mais importante das chaves.

Que ele havia me devolvido a chave da minha vida.

Ele sorriu... Eu agradeci.

A vida é muito mais do que dias ruins.

Talvez não possamos de imediato, como num passe de mágica mudar o que estamos sentindo.

Até porque, a mágica é mera ilusão.

Mas podemos decidir por quanto tempo ficaremos passíveis apenas a nos lamentar.

Não me revolto mais com a clareza do espelho, ela é apenas meu reflexo, e como tal, me devolve apenas o que lhe dou.

Akliv