A PREGUIÇA DE CADA DIA - Por Carlos Lopes
Tempos atrás uma empresa familiar de festas infantis, onde tudo parecia funcionar como um relógio suíço, desses bem ajustados. O Sr. Paulo e Dona Cida, um casal determinado, começaram essa jornada sozinhos. Ele cuidava das decorações, ela organizava o buffet, e juntos faziam a mágica acontecer. Crianças felizes, pais agradecidos, e o negócio prosperava. Tudo parecia correr bem, até que um belo dia, a demanda aumentou, e ficou difícil para darem conta de tudo, resolveram: “Vamos colocar os meninos para ajudar!”.
Ah, os meninos. Mal sabiam eles que o verdadeiro boom da empresa não seria financeiro, mas sim o da preguiça coletiva.
Primeiro veio o Rafael, o filho mais velho. Ele ficaria encarregado de agendar as festas. Coisa simples, não? Só que, por algum motivo, Rafael tinha um relacionamento conturbado com o despertador. Era algo que se arrastava desde os tempos de escola. As festas começavam às 10h e ele só aparecia às 10h30, ainda com aquela cara de “a cama me abraçou e eu não consegui escapar”. Resultado? Um monte de festa marcada para o mesmo dia, no mesmo horário, e em locais diferentes. A confusão foi tanta que teve criança apagando a velinha do bolo da festa do primo desconhecido. Mas tudo bem, pensaram os pais, “é jovem, logo aprende”.
Depois veio a Lorena, a filha do meio. Lorena tinha o dom de decorar, e a família apostou alto nela. Só que ela também tinha outro dom: o de empurrar o trabalho com a barriga. As decorações eram sempre uma corrida contra o tempo. Ela chegava, abria as caixas de balões e, de repente, se lembrava que tinha visto uma série incrível na Netflix e que precisava contar o final para o primo Luizinho, que, por acaso, também trabalhava na empresa. O tempo passava, os balões se esvaziavam, e a decoração… bem, não acontecia. Quando os pais reclamavam, ela suspirava, dizendo que “no final, tudo dá certo”. E realmente, dava, só que não por muito tempo.
E, claro, tinha o primo Zé, que foi contratado para ajudar no buffet. Zé, coitado, não sabia fazer um brigadeiro sem comer três antes de enrolar. Se falava em refrigerante, Zé já estava com o copo na mão. E o que era para ser uma solução virou um problema: Zé era um cliente fantasma da própria empresa. Aos poucos, os convidados começaram a notar que a comida sumia misteriosamente. Primeiro o brigadeiro, depois as coxinhas, e quando davam por si, o bolo já estava com uma fatia faltando.
O jogo de empurra-empurra foi se intensificando. Rafael dizia que Lorena não decorava porque Zé comia o buffet antes da hora. Lorena culpava Rafael pelos agendamentos confusos. Zé… bem, Zé só estava feliz comendo o que aparecia na frente. E assim, cada um empurrava um pouco mais de responsabilidade para o outro, como quem empurra aquela última tarefa da segunda-feira para a próxima.
Dona Cida e o Sr. Paulo, já cansados, tentaram organizar a bagunça, mas era tarde demais. A preguiça havia se infiltrado de tal maneira que até os próprios pais começaram a deixar para “depois”. E, como todo mundo sabe, o “depois” nunca chega. A empresa começou a falhar, primeiro com pequenos atrasos, depois com festas duplas agendadas para o mesmo horário. E, por fim, com bolo que não chegava e decorações que só tinham três balões murchos. Foi quando perceberam que o destino da empresa já estava traçado: a falência era iminente.
E assim, a empresa que começou com tanto amor e esforço se viu afundada por pequenos atos de preguiça que, aos poucos, se transformaram em grandes desastres. Cada vez que alguém pensava "amanhã eu faço", o problema crescia um pouquinho mais, até ficar grande demais para ser resolvido.
No fim das contas, a lição era simples: a preguiça é um veneno lento. Começa com uma desculpa aqui, um atraso ali, e quando menos se espera, ela domina. No trabalho, na vida, na família. Pequenos atos de preguiça têm o poder de corroer até as melhores intenções. E se não tomarmos cuidado, acabamos, como o primo Zé, devorando o brigadeiro antes mesmo da festa começar.
Assim foi, e assim acabou. Que a falência da empresa seja um lembrete de que, às vezes, a maior tarefa do dia é simplesmente fazer o que precisa ser feito.
Carlos Lopes, 22/10/2024